Se, por gerações, “subir na vida” era sinônimo de chegar ao ponto mais alto da carreira – geralmente representado por um cargo executivo dentro de uma grande empresa –, hoje, o cenário profissional vê conceitos como esse dando lugar a novos parâmetros de sucesso e realização: o crescimento é horizontal e compartilhado e o padrão “horário comercial” está sendo substituído por fórmulas alternativas, regidas por produtividade, e não por horas trabalhadas. Cada vez mais gente – de autônomos a funcionários de empresas – adota o home offi ce (escritório em casa), empreendedores e pequenas empresas apostam em coworkings – ambientes que reúnem mais de uma empresa no mesmo espaço –, multinacionais gerenciam simultaneamente escritórios em diferentes fusos horários, incentivando a globalização profissional, e outras tantas empresas tentam trazer um clima mais residencial ao escritório, oferecendo ainda horários flexíveis e a possibilidade de trabalhar remotamente. “É uma mudança inevitável. As pessoas estão trabalhando com outras pessoas pelo mundo e as relações de trabalho saíram do escritório”, diz Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). “Antes, era necessário pegar um avião ou um ônibus para resolver um negócio, ou seja, estar presencialmente em reuniões e encontros. Hoje, com a tecnologia, resolve-se tudo de qualquer lugar”, completa, pontuando ainda que, por causa disso, o ritmo de trabalho está mais intenso e quem não acompanha esse movimento perde competitividade.
Pinho aponta as partes mais positivas desse cenário profissional. “As pessoas têm mais qualidade de vida, podem trabalhar de onde quiserem e conseguem conciliar melhor vida pessoal e profissional.” Por outro lado, segundo ele, há a desvantagem de perdermos as relações com outras pessoas. “Você diminui a sensação de time, das conexões do dia a dia que, em alguns casos, são interessantes.”
Na balança, home office evita as muitas horas perdidas no trânsito, flexibiliza os horários e oferece mais autonomia. O problema é que as jornadas têm se tornado mais longas e, dependendo do negócio, é preciso trabalhar em tempo real com outro profissional que pode estar na Europa ou na Ásia ou entregar projetos em um prazo que obedece o fuso horário de outro país. Essa nova rotina – mais informal e sem hora para acabar – pode trazer riscos à saúde. Para Danilo Faleiros, psicólogo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o gráfico ideal seria definir e equilibrar as horas de trabalho com as de sono e as de lazer, sem deixar que, por exemplo, o trabalho interfira no momento de lazer. “O trabalho acaba consumindo o tempo de sono e de lazer, principalmente nas grandes metrópoles”, diz ele, que alerta ainda para uma consequência cada vez mais comum desse problema nos tempos atuais: a síndrome de Burnout, cujos principais sintomas são ansiedade, irritabilidade e esgotamento emocional, que traz a sensação de falta de energia.
“O trabalho de um profissional autônomo costuma ser bem misturado com sua vida pessoal, então deixo o ambiente vivo e tranquilo”
FLORA MIGUEL, produtora cultural e assessora de imprensa
DE LÁ PARA CÁ
A produtora cultural e assessora de imprensa Flora Miguel, 30 anos, que já viveu diferentes cotidianos profissionais – trabalhou em coworking e hoje atua em casa –, dá seu parecer sobre as diferentes situações. “Em uma empresa ou coworking, você tem ao lado profissionais de outras áreas, discutindo ideias, produzindo coisas. Há muito mais troca”, comenta. “Em casa é outro esquema, mais solitário. Por isso, fui criando estratégias para ter a melhora exponencial do home office, já que, hoje, somos duas pessoas trabalhando todos os dias dentro de casa”, conta ela, que criou um espaço específico para o trabalho, onde recebe parceiros e clientes. “O trabalho de um profissional autônomo costuma ser bem misturado com sua vida pessoal, então deixo o ambiente vivo e tranquilo para estar onde quero estar.”
A nutricionista e empreendedora Priscila Sabará, 34 anos, utiliza coworkings desde 2012 com sua empresa, a Foodpass, plataforma que faz a ponte entre o mercado gastronômico, especialistas e consumidores. “O coworking é a melhor opção, já que a equipe é pequena e não temos tempo nem recursos para gerenciar um escritório. Também precisamos dessa flexibilidade de espaços, pois a equipe cresce em escala. Os coworkings oferecem ainda diferentes ambientes para fazermos reuniões, eventos e encontros descontraídos.” Priscila aponta também as desvantagens. “A organização, pois nem sempre as pessoas respeitam o coletivo, e o barulho, que às vezes incomoda.”
A REINVENÇÃO PROFISSIONAL
Assim como o terno com ombreiras, diversas profissões estão caindo em desuso. Algumas vêm sendo substituídas pela tecnologia e outras exigem um conhecimento digital cada vez mais profundo. Em um cenário que não para de mudar, como se reinventar profissionalmente? Clarice Moraes, 30 anos, é formada em pedagogia, atuava como produtora cultural e conciliava a carreira com os trabalhos manuais. Hoje, ela se dedica integralmente à sua marca, Cacarecos Craft, de crochê e outras técnicas manuais. Como empreendedora, Clarice conta que a tecnologia é indispensável para seu negócio. “As mídias digitais são a ponte fundamental entre meus saberes e quem busca por eles. Ali ocorrem trocas riquíssimas com pessoas reais do mundo todo, me possibilitando ampliar meu repertório como criadora de conteúdo”, defende.
Em busca de felicidade profissional, Robson Gonçalves, 35 anos, abandonou o escritório em 2013, depois de passar mais de uma década trabalhando no departamento pessoal de quase uma dezena de empresas, para virar marceneiro. “Eu nunca tinha parado pra pensar em quanto o meu trabalho era distante de mim. Tinha que usar uma roupa de que eu não gostava, fazer algo com o que não me identificava”, ele conta. E define a mudança do escritório para a fábrica de forma simples: “Estou feliz”.
NOVAS MANEIRAS DE GANHAR DINHEIRO
A mistura da vida profissional com a pessoal e as tecnologias cada vez mais integradas à nossa realidade nos levam a outros cenários, como o da economia colaborativa, em que as pessoas alugam quartos ociosos de sua casa, o carro que está parado na garagem ou até uma roupa de festa que foi poucas vezes usada – hoje, há cada vez mais aplicativos voltados para troca, aluguel e empréstimo de bens entre pessoas físicas. Segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2016 o Airbnb, plataforma de compartilhamento de casas e quartos, movimentou a economia no Brasil três vezes mais que os hotéis.
Outra característica dos tempos atuais é a economia criativa. Nela, o capital intelectual e o cultural são usados para a geração de renda, valorizando a produção independente de artistas, artesãos e outros profissionais de áreas criativas. Hoje, cada vez mais eventos – como a Feira Plana, maior feira de publicações independentes da cidade de São Paulo – dão espaço para o trabalho de produtores autônomos, movimentando mais uma
DE OLHO NA POSTURA
O home office e os ambientes mais informais de trabalho podem se tornar vilões para a saúde do seu corpo e, por isso, é importante fi car atento à sua postura e em quantas horas por dia você passa na mesma posição. Quem faz o alerta é o Dr. Marcelo Risso, ortopedista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que faz questão de frisar a infl uência do celular – uma interface muito comum nas profi ssões atuais. “Ele pode provocar dor em toda a coluna, principalmente na cervical.” O médico ressalta ainda que nem sempre o lugar mais confortável – como o sofá – é o melhor e que não há um único jeito correto de trabalhar. “Nenhuma postura é ideal por muito tempo. É importante variar.”