Pelé na sua bela existência futebolística desenhou muito bem o presente e configurou o futuro, de modo a nada ficar para ser inventado. Qualquer jogador, da mais alta performance aos artesões da várzea, quando “criarem” algo, mal sabem que o menino de Três Corações já lhes poupou dessa incumbência, criando antes. Pelé – não tenho dúvidas – teve muita intimidade com Deus na arte de jogar bola. Deus deveria dizer, após dar-lhe a missão: “entende”? Porque é impossível o Supremo Criador não estar nessa empreitada. Sua habilidade era divina a ponto de se cogitar a impossibilidade de um ser humano desfrutar de tanta criatividade.
Há de se imaginar a impossibilidade da crítica esportiva para descreve-lo. Pelé – como atleta – não teve fases, teve uma vida toda exitosa dentro dos gramados. Seu talento era inquestionável e sua criatividade era algo só possível nos recessos inacessíveis dos deuses. Quem conhece futebol sabe que o talento de Pelé era imensurável. Não adianta teorizar que futebol é uma atividade cultural e que, portanto, se aprende. E se se apreende, logo, é possível alcançar os mais altos píncaros da invenção britânica. Pode-se, sim, ser alta performance, contudo, jamais se alcançará a genialidade do colored brasileiro, eis que gravita nos espaços divinos.
Nietzsche – no seu último ano de vida lúcida – escreveu Crepúsculo dos Ídolos, numa declaração de guerra às verdades de seu tempo e futuras que chamou de “ídolos”. A obra é belíssima e refuta várias teses. Se conhecesse a arte de Pelé, talvez abrisse uma exceção em seu pensamento e excluísse o Rei de seu martelo contundente. Quando o filósofo disse que “nenhuma coisa tem êxito, se nela não está presente a petulância”, certamente poderia estar se referindo ao do Rei do Futebol. Pelé teve êxito porque foi petulante com sua magia, desafiando às logicas futebolísticas. Pelé – como disse Santo Agostinho – passou para o outro lado e, magnificamente, deve estar sorrindo pra gente, do mesmo jeito, “entende”?