O assassinato a tiros de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral de São Paulo e secretário de Administração de Praia Grande, no litoral de São Paulo, gerou repercussão no Brasil inteiro. O caso aconteceu no início da noite desta segunda-feira (15).
Fontes atuou por mais de 40 anos na Polícia Civil e teve papel central no combate ao crime organizado, sendo pioneiro nas investigações sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC).
1 – Como foi o atentado
O caso aconteceu na Avenida Dr. Roberto de Almeida Vinhas, no bairro Nova Mirim, em Praia Grande (SP), por volta das 18h de segunda-feira.
Segundo imagens de câmeras de segurança, o carro de Ferraz Fontes foi perseguido por um veículo com criminosos. Em seguida, o automóvel da vítima bateu em um ônibus, foi atingido na lateral por outro e capotou.
- De acordo com a Polícia Militar, informações iniciais indicaram que o secretário perdeu o controle do veículo porque já havia sido baleado durante a perseguição. A investigação irá confirmar este dado.
Os criminosos conseguiram frear o carro e evitar uma nova batida contra o ônibus. Três homens desceram, enquanto um quarto envolvido, o motorista, teria seguido no interior do veículo. Dois deles, então, andaram até onde estava o ex-delegado e atiraram nele com fuzis. Todos voltaram ao automóvel e fugiram do local.
Segundo o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Artur Dian, os criminosos atiraram mais de 20 vezes durante o atentado. Segundo ele, foram encontrados carregadores de fuzil no local do crime.
O delegado acrescentou que os tiros atingiram diferentes membros de Ruy Ferraz Fontes. “Grande parte do corpo. Braços, pernas e abdômen. Foram diversos disparos”, explicou.
Gravações feitas por testemunhas mostram o desespero de quem passava pelo local do ataque. Uma mulher que estava na garupa de um dos veículos chegou a se jogar no chão, enquanto outro motociclista se afastou do local.
Novos vídeos mostram tiros e desespero de testemunhas durante execução de ex-delegado
De acordo com a PM, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado e constatou a morte de Ferraz Fontes no local.
A Prefeitura de Praia Grande informou que um homem e uma mulher que caminhavam pelo local também foram baleados e atendidos pelas equipes do Samu. Eles foram encaminhados inicialmente para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Quietude.
De acordo com o município, as vítimas não correm risco de morte e foram transferidas para o Hospital Municipal Irmã Dulce, também na cidade.
2 – Quem era Ruy Ferraz Fontes
Ruy Ferraz Fontes tinha 64 anos e era formado em Direito pela Faculdade de São Bernardo do Campo, com pós-graduação em Direito Civil.
Ele teve passagens por delegacias especializadas como o Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o Departamento Estadual de Investigações contra Narcóticos (Denarc) e o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Foi no início dos anos 2000, no comando da 5ª Delegacia de Roubo a Bancos, que iniciou investigações contra o PCC, prendendo lideranças e mapeando a estrutura da facção.
- Ele foi uma das autoridades mais atuantes diante da facção criminosa e de seu chefe, Marcola. Em 2006, Ferraz Fontes e sua equipe de policiais indiciaram o líder do PCC e a cúpula do Primeiro Comando da Capital.
Naquele ano, ordens do PCC de dentro das cadeias determinaram uma série de ataques contra agentes de segurança pública devido à decisão do governo paulista de transferir as lideranças da facção, incluindo Marcola, para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior do estado. A atuação de Ferraz Fontes ganhou destaque nesse período.
Ferraz Fontes depois comandou a Polícia Civil paulista entre 2019 e 2022, quando foi indicado pelo então governador João Doria, à época no PSDB. Neste período, liderou a transferência de chefes da facção para presídios federais, medida considerada estratégica para reduzir o poder do grupo dentro das cadeias.
Ele estava aposentado da Polícia Civil. Em janeiro de 2023, assumiu a Secretaria de Administração de Praia Grande, cargo que ocupava até ser assassinado.
O ex-delegado também participou de cursos no Brasil, na França e no Canadá, além de ter sido professor de Criminologia e Direito Processual Penal.
Em entrevista a um podcast da CBN e do jornal O Globo que ainda não foi ao ar, o ex-delegado disse que vivia sozinho em Praia Grande sem qualquer proteção ou estrutura de segurança. A conversa aconteceu há duas semanas; OUÇA.
3 – Linhas de investigação
A polícia trabalha, até o momento, com duas possíveis motivações para o crime:
- vingança em razão da atuação histórica de Ruy Fontes contra os chefes do PCC;
- e/ou reação de criminosos contrariados pela atuação dele à frente da Secretaria de Administração da Prefeitura de Praia Grande.
“[Ruy] foi uma das pessoas que prendeu o Marcola ao longo da história do PCC, que esteve passo a passo nesse enfrentamento ao PCC. Ser executado dessa maneira mostra, infelizmente, o poderio do crime organizado, a falta de controle que o crime organizado tem dentro do Brasil, dentro do estado de São Paulo. É uma ação extremamente ousada”, disse Rafael Alcadipani, professor da Faculdade Getúlio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O delegado e a esposa foram vítimas de um assalto a mão armada em dezembro de 2023, no bairro Canto do Forte, também em Praia Grande. Conforme apurado pelo g1 à época, o casal tinha acabado de sair de um restaurante e estava a caminho de casa. Na ocasião, dois criminosos foram presos.
Segundo o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o crime organizado, Ferraz Fontes escapou de um outro plano de assassinato em 2010. Ele relatou o episódio em entrevista à GloboNews.
Segundo o promotor, desde 2006, o ex-delegado-geral era jurado de morte por membros da facção criminosa por ter sido o idealizador do projeto que concentrou todas as lideranças do PCC no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau.
4 – Próximos passos da investigação
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, determinou mobilização total da polícia, com a criação de uma força-tarefa para identificar os assassinos.
“Estou estarrecido. É muita ousadia. Uma ação muito planejada, por tudo que me foi relatado”, afirmou o governador.
Artur Dian afirmou que foi montada uma força-tarefa com departamentos de polícia de Santos e São Paulo, com o objetivo de “colher o maior número de informações possível”.
Em entrevista em Praia Grande, Dian acrescentou que o carro suspeito de ter sido usado na execução de Fontes foi encontrado incendiado a aproximadamente dois quilômetros do local do crime.
Segundo ele, outro automóvel também foi localizado com carregadores de fuzil e munições. Até a última atualização desta reportagem, a perícia estava sendo realizada neste segundo carro.
“Estamos em fase de perícia, localizamos um veículo agora, mas nada pode ser descartado. Todas as linhas vão ser checadas”, afirmou o delegado.
Os dois carros usados pelos criminosos tinham sido roubados na cidade de São Paulo, segundo informações do boletim de ocorrência.
Fonte: G1