Em boca fechada não entra Musk – este poderia ser o título deste artigo, não fosse a imensa curiosidade sobre o motivo pelo qual o bilionário estrangeiro dedica parte do seu caro tempo a certos aspectos da vida política nacional e o fato de que o trocadilho não se justificaria, pois a liberdade de expressão e de opinião não combinam com bocas fechadas.
Como se diz, por aí: – Na boa, por que ele perde tempo com isso? Por que não está no iate, em cruzeiro pelas ilhas gregas ou as Maldivas? Por que não degusta, em paz, da cozinha mediterrânea, oriental ou brasileira ou não projeta novidades tecnológicas e ganha mais bilhões? Aliás, quanto ganha por minuto?
Essas e outras indagações acabam dizendo mais do que eventuais respostas concretas. Dinheiro já tem – e muito. Talvez se dedique à busca da verdade, como se fosse releitura e moderna versão do filósofo grego Diógenes que, com sua lanterna, perambulava em busca de virtude. Pode ser questão do ego, pode ser por um tipo de reação a algo, como questão de honra. Pode ser agir decorrente de falsa representação da realidade… Ainda é cedo para sabermos dessas e de outras coisas.
O filósofo francês Voltaire, em Conselhos ao Senhor Racine, escreveu que “faria a história de um príncipe que, nas grandezas, nas vitórias e nos prazeres, procurou inutilmente a felicidade, a qual depois foi encontrá-lo na solidão. Mais adiante, pintaria um homem que a embriaguez do mundo tornava duro e infeliz e que depois voltava a ser compassivo, indulgente, bondoso e portanto feliz.”
Talvez essas linhas, escritas há tantos séculos, ajudem-nos a compreender mais da alma humana e a responder a algumas indagações. Portanto, pode ser tudo ou nada, já que talvez nunca venhamos a ter total clareza sobre os motivos e as causas próximas ou remotas e do que vai pelos recônditos da mente. A par dos motivos e do acerto ou não de qualquer justificativa ou embasamento para as suas declarações sobre quem quer que seja, o mais importante é se compreender o motivo pelo qual um bilionário estrangeiro perde tempo com isso e dirige palavras – iniciais e réplicas – a quem quer que seja. Essa curiosidade ainda não foi satisfeita.
A partir dessa pergunta, os assuntos de que trata seriam passíveis de investigação pelo sistema de justiça e, também, pelo parlamento, em CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito? Se couber CPI, que venha.
Outra curiosidade decorre do fato de que, apesar de terem sido direcionadas as suas palavras a membro da Suprema Corte, teria havido sinalização do Poder Executivo federal pela revisão de contratos com empresa de Musk, que fornece internet para a Amazônia (tribunadebrasilia.com.br; 08.4.2024). Por qual motivo o Executivo já se envolveria diretamente nisso, com hipotética rescisão-sanção dos contratos em questão? Nesse momento, as reflexões aqui contidas ainda não envolvem nada além do que as declarações primárias, que originaram todo o imbróglio.
Teria mesmo havido ameaça à Soberania Nacional ou se trataria da expressada livre opinião de alguém? A discordância sobre a existência de um fato ou a sua definição implicaria em ameaça à Soberania?
Nesse tom de avaliação, qualquer opinião sobre a Palestina, Israel, Ucrânia ou Rússia – para falarmos dos conflitos mais evidentes – poderia ser categorizada como lesiva à Soberania daqueles países?
Teriam os satélites e o X (antigo Twitter) arquivado mensagens e textos e seriam, por isso, preocupantes?
Como se vê, há tantas dúvidas acerca do contexto que qualquer conclusão parece soar precipitada.
Isso nos leva a considerar que muitas coisas hão de ser apuradas e descobertas. Nem imagino o que e, exatamente por isso, ou a coisa chegaria à responsabilização nas esferas legais, cíveis e, talvez, por crimes contra a honra – e, no que couber, viria a exceção da verdade? Mas a esfera judicial talvez se revele estreita demais para apuração do contexto e do que mais houver, se nos parecendo que CPI poderia explorar nuances outras e dar à população uma visão mais objetiva dessa ofensa (ou não) à Soberania e do seu alcance e implicações.
Outro contexto relevante para a ordem jurídica diz respeito à hipotética ameaça de descumprimento de ordem judicial e de pseudo represália com a cogitada retirada da empresa do país. Esses comportamentos e falas não estão no mesmo momento e contexto da fala inicial – esta, antes considerada. A conduta-represália ensejaria algo como ação continuada ou seriam ações distintas e tomadas como concurso material? Penso, salvo melhor juízo, que são duas condutas jurídico-materiais distintas e, portanto, passíveis de diferentes categorização e subsunção. A empresa aqui veio submeter-se às regras do sistema jurídico e não parece ponderado que se as desrespeite quando conveniente, sendo, todavia, evidente que não é obrigada a operar em qualquer lugar. Do mesmo modo que se instalou, pode partir.
Por tantos motivos e dúvidas as indagações iniciais são tão relevantes, pois, com tantos interesses e valores envolvidos, por qual motivo alguém tão ocupado e bilionário dedica parte do seu tempo para fazer declarações como as que fez? O que está em jogo, o que pretende, o que busca obter ou proteger ou atacar? Falou em legítima defesa de algo ou foi ataque imotivado? Parece que brumas atrapalham a perfeita visão do conjunto.
Como sempre, quando os fatos começam a surgir, há mais dúvidas do que certezas e o que até aqui cogitamos será devidamente revelado ao longo dos procedimentos judiciais iniciados e, quiçá, em CPI, no Congresso Nacional. Seria Musk vestido como um tipo de Julian Assange?
Noutro foco, no passado o controle das informações esteve com CIA, KGB e outras agências de inteligência. Hoje, essa força está com empresas privadas, que passaram a deter o controle do “fluxo de informações do mundo”. Musk está entre os comandantes dessas potências globais.
Nos Estados Unidos apura-se que nem o “modo de navegação anônima do Google” é de fato anônimo, já que sistema continuaria coletando dados, fazendo com que tudo esteja revelado, de algum modo. Estaríamos expostos!
Henry Ford, Nelson Rockfeller, Percival Facquar e Musk fizeram e fazem investimentos aqui. A propósito, este texto não é contrário a investimentos estrangeiros ou conceitos afins e, de fato, se outros podem ser nacionalistas, também podemos e aí entra a defesa da Soberania.
O seu ataque vestibular foi dirigido contra alta autoridade nacional. É, assim, personificado. Deve ser apurado, como tal. A questão é se com o tempo e conforme se apurar, a iniciada apuração deverá mergulhar fundo ou ser enterrada para não mais ser vista, como fez o lago de Cocorobó com a velha Canudos de Antonio Conselheiro. Aguardemos o desenrolar da história e os seus novos capítulos, que ainda estão sendo produzidos.