A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) divulgou comunicado no qual informa que, um eventual rompimento da barragem Sul Superior da Mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG), pode acarretar em nova contaminação na bacia do Rio Doce. A pasta avalia que a nova onda de lama suprimiria cerca de 383 hectares de mata atlântica e poderia causar até impactos energéticos, pois atingiria a Usina Hidrelétrica de Peti, em São Gonçalo do Rio Abaixo (MG).
Quatro córregos seriam impactados pelos rejeitos, que posteriormente alcançariam o Rio Santa Bárbara, afluente do Rio Piracicaba, que por sua vez é afluente do Rio Doce. A água desses mananciais se tornaria imprópria para consumo humano. “Pode ocorrer ainda redução do oxigênio dissolvido, com consequente mortandade de peixes e outras espécies aquáticas. Os cursos d’água podem ter redução da vazão decorrente do assoreamento da calha principal e deposição do rejeito”, acrescenta a Semad em comunicado sobre os possíveis impactos.
A bacia do Rio Doce foi afetada em novembro de 2015 na tragédia de Mariana (MG), quando foram liberados no ambiente 39 milhões de metros cúbicos de rejeito após a ruptura de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton. A lama escoou até o litoral causando impactos em dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo.
O risco de uma nova tragédia está relacionado à iminente ruptura do talude de uma cava da Mina de Gongo Soco. Talude é um plano de terreno inclinado que limita um aterro e tem como função garantir a estabilidade da área. A Vale admite a possibilidade de que as vibrações provocadas pelo rompimento do talude funcionem como um gatilho para a ruptura da barragem Sul Superior. A distância entre as duas estruturas é de 1,5 quilômetro.
O rompimento do talude é dado como certo tanto pela mineradora como pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Estimativas da Vale divulgadas na semana passada indicavam que ele ocorreria até o último sábado (25), o que não se confirmou. Na véspera do fim desse prazo, a Defesa Civil de Minas Gerais afirmou que não havia como prever o momento exato da ruptura. “O talude pode ceder amanhã? Pode. Como também pode não se romper. Ele pode ceder depois de amanhã, daqui a uma semana”, disse, na ocasião, o coordenador adjunto da Defesa Civil de Minas Gerais, tenente-coronel Flávio Godinho.
As operações em todas as estruturas da Mina de Gongo Soco estão interditadas seguindo determinação da ANM. No caso da Barragem Sul Superior, a paralisação está em vigor desde 8 fevereiro, quando seu nível de segurança foi elevado para 2, obrigando a Vale a evacuar a zona de autossalvamento, isto é, aquela área que seria alagada em menos de 30 minutos ou que está situadas a uma distância de menos de 10 quilômetros da estrutura.
Mais de 400 moradores foram abrigados em quartos de pousadas e hotéis custeados pela mineradora. Em 22 de março, a Barragem Sul Superior se tornou a primeira a atingir o nível 3, que é considerado o alerta máximo e significa risco iminente de rompimento. Desde que a tragédia de Brumadinho, em 25 de janeiro deste ano, levou mais de 200 pessoas à morte, mais de 30 barragens da Vale em todo o estado de Minas Gerais foram interditadas e quatro delas já alcançaram o alerta máximo.
Reivindicações
A prefeitura de Governador Valadares (MG), um dos maiores municípios atingidos pela tragédia de 2015, já se movimenta diante dos riscos de uma nova tragédia. Na última semana, ela encaminhou um ofício ao presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, no qual apresenta reivindicações. O documento informa que o Rio Doce é o único manancial utilizado para o abastecimento da cidade e solicita à mineradora a aquisição, em caráter preventivo, de pelo menos 30 mil litros do Polímero da Acácia Negra, produto utilizado no tratamento de água muito turva.
“Tal substância é essencial para garantir os padrões de potabilidade da água tratada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) e distribuída à população”, diz nota divulgada pelo município. Outra demanda elencada no ofício é a disponibilização de 500 mil litros de água mineral para garantir o abastecimento da população, a cada dia em que a captação e distribuição de água estiver interrompida.
Também foi reivindicada celeridade na construção das novas estruturas para captação de água no Rio Corrente, reduzindo assim a dependência do Rio Doce. Essas obras estão sendo realizadas pela Fundação Renova, que assumiu a gestão de todas as ações de reparação dos danos causados na tragédia de Mariana. A entidade, que desenvolve as medidas necessárias utilizando recursos da Samarco, da Vale e da BHP Billiton, foi fundada conforme acordo firmado em 2016 entre as três mineradoras, o governo federal e os governo de Minas Gerais e Espírito Santo. A Vale confirma ter sido notificada, mas não se posicionou diante das demandas apresentadas.
Estudos de impacto
A mineradora também reconhece que um eventual rompimento da barragem Sul Superior afetariam afluentes do Rio Doce. “A Vale está comprometida com o desenvolvimento de ações de minimização dos impactos e contenção dos rejeitos”, informa em nota. Na última terça-feira (21), a mineradora entregou ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) novos estudos de dam break [do inglês, rompimento de barragem] que preveem os possíveis impactos de um rompimento e estabelecem rotas de fuga e pontos de abrigo. Os relatórios também foram disponibilizadas cópias para a Defesa Civil e para as prefeituras de Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo.
A entrega dos novos estudos havia sido determinada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais três dias antes. A mineradora teve prazo de 72 horas para o cumprimento da ordem judicial, sob pena de multa de R$300 milhões. A decisão atendeu pedido do MPMG, que apontou insuficiências nas análises apresentadas até então. O estudo de dam break apresentado até então não teria considerado todos os cenários e não previa as consequências em caso de vazamento de 100% das estruturas do complexo minerário que armazenam líquidos e rejeitos.
A juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, que assinou a decisão, lamentou a falta de informação. “Não é possível que a cidade, que suportará prejuízos de ordem material inimagináveis, ainda tenha que ser submetida a situação capaz de por em risco milhares de vidas. Atualmente, a população está em pânico e desinformada. Os bancos da cidade foram fechados. Caminhões com água foram enviados a Barão de Cocais, para garantir o abastecimento das casas em razão da morte iminente do rio que abastece a população. O comércio está vazio, eis que localizado às margens do Rio e passível de alagamento, reflexo do terror vivido pelos moradores”, escreveu ela em seu despacho no dia 17 de maio.