Esses espaços devem ser fonte de experiência para cada vez maior conscientização sobre a necessidade de proteção da natureza e das ações de sustentabilidade.
Todavia, é crível que os parques foram criados para proteção da natureza e esse motivo integra o ato legal da instituição de cada um, pela chamada ‘teoria dos motivos determinantes’, ficando em foco secundário a “visitação” de turistas e de destinação de espaços do parque para serviços de estrutura, como equipamentos atrativos para a recreação de visitantes.
Por isso mesmo, nem todos os parques são abertos à visitação (em 2011, dos 73 parques nacionais, apenas 26 admitiam visitas de turistas).
Aliás, com a “intenção de se reduzir os impactos ambientais e preservar a fauna e flora marinha”, o Ministério do Meio Ambiente, pelo Instituto Chico Mendes, em matéria de 28.7.2014, informava a redução do número de visitantes à piscina natural em Parque Nacional, na Serra da Bocaína.
De fato, estes parques estaduais são verdadeiras reservas e espaços de proteção de biomas.
O seu maior tesouro é o que ali se preserva.
Seu propósito não é gerar renda por visitação de turistas e nem em possuir equipamentos os atrativos para a recreação destes. Aliás, cada metro quadrado destinado a estruturas assim é menos um dentro do objetivo de conservação.
A Constituição Federal cuida do tema no seu artigo 225 e impõe ao Poder Público e à coletividade o “dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Portanto, a diretriz constitucional está expressada no final do artigo citado, quando utiliza os verbos “defender” e “preservar”.
Além disso, o mesmo artigo da Constituição Federal ainda exige ações de preservação e restauração dos ecossistemas e do patrimônio genético do país, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a sua integridade e exigido prévio estudo de manejo e de impacto para qualquer atividade que possa importar em degradação ambiental e ainda reafirma que são “indisponíveis” as terras devolutas que sejam “necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”.
Portanto, nada há ali que prestigie mexer com qualquer parte dos espaços dos parques para instalação de atrativos turísticos e o tema segue as diretrizes nacionais da Lei Federal 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o citado art. 225, da Constituição Federal e institui o “Sistema nacional de Unidades de Conservação da Natureza”.
O artigo 4º da lei muito usa o verbo “proteger” ou fala em promoção de pesquisas científicas, em conservação da natureza, em manutenção da diversidade biológica, na preservação dos ecossistemas naturais etc. Apenas no final se fala em educação e interpretação ambiental e recreação em contato com a natureza, turismo ecológico e na proteção dos recursos naturais necessários à subsistência das populações tradicionais, respeitando a sua cultura e promovendo-se-as social e economicamente.
O objetivo prevalecente é, portanto, o da proteção do patrimônio biológico existente, resguardando os seus excepcionais atributos naturais.
A notícia nos leva a refletir, nesse primeiro momento, se a concessão envolveria todas as áreas dos parques ou se apenas a “área de visitação turística”, como trilhas, banheiros, recepção, lanchonete… Neste rumo, se envolver apenas a área destinada aos turistas, o lucro auferido com os ingressos etc reverteriam na conservação dos parques ou ficaria com a iniciativa privada? A pergunta envolve diretriz da própria lei federal acima citada, que no inciso XII, do Artigo 5º, prevê que as áreas protegidas devem, nos casos possíveis, buscar autonomia financeira, mas aqui, cremos, para “todo” o parque, o que envolve recursos para a proteção e a segurança contra ilegais caçadores, grileiros, invasores de toda forma, garimpeiros, mineradoras ou outras ações que possam interferir na integridade do conjunto sob proteção.
É fundamental se entender que os custos para a manutenção e proteção dessas áreas se justifica exatamente pelo que representam para as presentes e futuras gerações e o foco disso é um investimento (e não gasto) pela proteção da natureza e da humanidade.
Ainda nesse ponto da análise, a concessão só da área de atendimento ao turista (trilhas, recepção, lanchonete, equipamentos) seria correspondente à parte que poderia ser vista como lucrativa, mantendo-se com o Poder Público todos os demais gastos com o policiamento, controle de invasores e complexas medidas outras ou se pretenderia atribuir tudo aos concessionários privados, ou seja, até o “poder de polícia” que é, em essência, indelegável, pois imanente à função pública (como sabido e como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.717, concluindo pela “indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia”)?
O objeto jurídico tutelado é a natureza e a biodiversidade na área de cada parque e tudo deve ser feito focando na sua proteção.
Outrossim, a “privatização” ou concessão de tais parques deveriam ser precedida de (1) Plano de Manejo (Lei 9985, Art. 11, Parágrafo 2º), (2) de estudos dos Tribunais de Contas dos Estados, identificando carência de capital humano ou de recursos para justificar tal circunstância, inclusive apontando se tais recursos seriam revertidos ao próprio parque ou a outros fins.
Ademais, o tema merece detida consideração também por estar sendo tratado contemporaneamente à tramitação do Projeto de Lei 2963/2019, já aprovado pelo Senado e que vai à apreciação da Câmara dos Deputados, tratando da venda de terras a estrangeiros e permitindo a venda de propriedades e também de posses e sabemos a notória situação de ocupações indevidas e ilegais ações de incautos ou de grileiros em terras públicas. Temos um tesouro natural e leis para protege-lo e o mundo anseia por isso.
Por fim, damos exemplo de como nosso patrimônio histórico, natural e cultural tem sido predado: (1) recentemente se noticiou que o Ministério Público investiga a partida ilegal para a Alemanha de fóssil de dinossauro que foi encontrado no Ceará e (2) que o Governo Federal litigou nos Estados Unidos, para reaver uma esmeralda de mais de 360 kg e avaliada em cerca de $ 372 milhões de dólares, encontrada na Bahia e irregularmente levada para o exterior.
Nem tudo é passível de simples atração de investimentos.
Há valores que o dinheiro não compra e o meio ambiente protegido e íntegro é um deles.
Rogerio Reis Devisate
Advogado. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Palestrante. Escritor.