Na mitologia grega, Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar eternamente uma enorme pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar de volta ao pé da colina sempre que estava prestes a alcançar o topo. Esse castigo divino, símbolo da futilidade e do esforço sem recompensa, encontra um paralelo perturbador na realidade dos trabalhadores brasileiros após a promulgação da Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, conhecida como a Nova Previdência.
Assim como o rei de Corinto, milhões de brasileiros se veem presos em um ciclo aparentemente interminável: contribuem durante décadas para o sistema previdenciário, carregando o peso das expectativas de uma aposentadoria digna, apenas para descobrir que as regras mudaram quando estavam próximos do objetivo. A pedra de Sísifo, neste caso, não é feita de mármore, mas de contribuições mensais, expectativas frustradas e sonhos adiados.
A reforma da previdência de 2019 não foi apenas uma mudança técnica nas regras de aposentadoria. Foi uma transformação profunda que alterou o contrato social entre o Estado e seus cidadãos, criando uma geração de trabalhadores que, como Sísifo, precisam recomeçar sua jornada rumo à aposentadoria com regras mais rígidas e metas mais distantes.
A Emenda Constitucional 103/2019 estabeleceu mudanças significativas que tornaram o caminho para a aposentadoria mais longo e íngreme. Para os homens, a idade mínima foi fixada em 65 anos, com exigência de pelo menos 20 anos de contribuição. Para as mulheres, a idade mínima passou a ser de 62 anos, com 15 anos de contribuição mínima.
Essa mudança representa um aumento substancial na “altura da montanha” que os trabalhadores precisam escalar. Antes da reforma, era possível se aposentar por tempo de contribuição sem idade mínima, bastando comprovar 35 anos de contribuição para homens e 30 anos para mulheres. Agora, mesmo quem contribui por décadas deve aguardar até atingir a idade mínima estabelecida.
As regras de transição, embora tenham sido criadas para amenizar o impacto da mudança, funcionam como uma cruel extensão do castigo de Sísifo. Trabalhadores que estavam a poucos anos da aposentadoria pelas regras antigas se viram obrigados a recalcular seus planos, empurrar a pedra por mais alguns anos, subir alguns metros adicionais na montanha da contribuição previdenciária.
Albert Camus, ao reinterpretar o mito de Sísifo, propôs que devemos imaginar o herói grego feliz em sua tarefa infinita, encontrando significado no próprio esforço, não no resultado. Mas será possível aplicar essa filosofia aos trabalhadores brasileiros diante das constantes mudanças nas regras previdenciárias?
A resposta não é simples. Diferentemente de Sísifo, que conhecia exatamente sua punição e podia, segundo Camus, encontrar uma forma de dignidade na aceitação de seu destino, os trabalhadores brasileiros enfrentam um cenário de incerteza constante. As regras podem mudar novamente, a pedra pode ficar mais pesada, a montanha pode crescer ainda mais.
A Pedra de Sísifo: filosofia e previdência
