A origem das palavras nos ensina muitas coisas. A vida outras tantas.
Também muito nos ensinam as narrativas dos que têm os cabelos brancos e nos contam das coisas antigas, que aprenderam com os antepassados, quando falam das culturas tradicionais, dos medicamentos da floresta e daquilo cujas origens se perderam no tempo…
Tão logo ficamos familiarizados com a palavra Pandemia e vivenciamos as suas causas e consequências, ora nos defrontamos com a palavra Sindemia, que melhor definiria o que hoje ocorre no mundo.
Sindemia?
Demo vem do Grego, com sentido de Povo. Ao receber o sufixo “ia”, origina Demia, indicando aí terminologia médica, como doença generalizada. O prefixo “Sin” indica coisas que ocorrem ao mesmo tempo.
Portanto, Sindemia indica doenças generalizadas e simultâneas. O conceito não é novo e já foi indicado pela Organização Mundial de Saúde como o mais adequado para definir o que ocorre no mundo.
Achávamos que a Pandemia estava controlada, a ponto de nos permitir há muitos meses o início do chamado “novo normal” na retomada da “normalidade”.
“Quem nunca comeu melado se lambuza”, diz o ditado. Agimos exatamente assim, descuido e infantil entusiasmo. Não soubemos dosar o equilíbrio entre a vida que conhecíamos e o “novo normal” e, assim, desrespeitamos toda a lógica científica que dissemos valorizar e enaltecer.
Comemoramos a ciência, as vacinas rapidamente desenvolvidas e apostamos nestas como a salvação e passaporte para a “normalidade”, ao mesmo tempo em que, sem olhar para os lados, atravessamos a rua sem perceber que o sinal ainda estava amarelo.
Abusamos do nosso excesso de confiança, interpretando à nossa egoísta conveniência o que desejávamos e distorcendo ou atribuindo tortas interpretações ao que diziam a OMS e, ao redor do mundo, líderes políticos e autoridades médicas e científicas. E mais: alimentando rede de Fake News, gerando mais desinformação.
Os mais ricos países acharam que só cuidando dos seus nacionais estariam a salvo dos efeitos da Pandemia e os donos do capital brindaram a retomada da economia.
Pouco caso se fez daqueles países com economia menos dotada, meros exportadores de matéria prima e com índices pequenos de participação nesse mundo de mundialização do capital.
Nessa linha de pensamento, não se prestigiou a vacinação da humanidade! Cuidou-se da vacinação de populações de alguns países, como se o mundo fosse dividido em dois! Aliás, em dois, três ou mais partes.
Parece que dividiram a população do mundo conforme as fronteiras econômicas. Deram uma nova roupagem aos tradicionais embargos econômicos, algo como destinar a certa parcela da humanidade o que poderíamos chamar de “embargos à vacinação” e aos tratamentos médicos.
Diziam que uma ou duas doses seriam suficientes. Muitos já ultrapassaram as duas doses, enquanto ainda há milhões de pessoas sem qualquer dose disponível e sem medicação alguma, sem atendimento mínimo de saúde e sem água, comida, casa…
A Sindemia traz consigo esse caos resultante dos vários agentes infecciosos que circulam, simultaneamente.
São vírus outros e variantes do Coronavírus que viajam juntos, contaminam juntos, dividem juntos os prazeres reprodutores se valendo – como vírus que são – da ligação com outra célula.
Sabe daqueles filmes de ficção científica, em que uma estranha criatura se acopla e passa a viver da outra? Pois é…
De modo leigo e bem resumido, o vírus só se reproduz no interior de outra célula, que passa a controlar. É um tipo de “vampiro” ou parasita intracelular. Ele se multiplica dentro de uma célula, antes saudável. E, pela chamada síntese viral, a célula afetada produz proteínas necessárias para criar novos vírus, os quais liberam-se e passam a atacar novas vítimas.
As variantes ou derivativos do vírus original estão circulando pelo mundo. Há a variante Delta, a Ômicrom e a França já descobriu a IHU. Essas variantes estão afetando milhões de pessoas no mundo, junto à outros vírus, como os da chamada Gripe e tantos mais que estão em circulação.
Vivenciamos um momento em que tudo colabora para o caos! Enquanto cada país ou conjunto de países achar que pode agir dentro de um padrão biopolítico, não se terá a solução do prolema. A Pandemia ou Sindemia não é só pelo vírus em si, pois decorre desse e de vários fatores que interagem, ampliando o contexto a proporções além da ideia de que um mais um são dois.
Quando dois vírus coexistem e invadem o corpo, o resultado não é exatamente o de um e outro. Duas doenças simultâneas produzem danos maiores do que a soma de cada uma.
Por outro lado, há a insegurança alimentar, a exposição à contaminação biológica, química, nuclear, à alimentos pouco saudáveis e à falta de alimentos.
E, se nem todos têm acesso à comida, água e esgoto tratado, como medidas básicas poderão ser adotadas (como lavar as mãos ou usar álcool e máscara descartável e fazer isolamento)?
A economia está devastada e, para isso, não adianta só focar nos fatores diretamente ligados à máquina econômica. Direta ou indiretamente, a economia envolve seres humanos, seja nos mecanismos de produção, seja como consumidores.
Assim, as questões aparentemente menos ligadas à economia terão de merecer tanta atenção quanto o câmbio, as exportações, o petróleo, os carros elétricos, a exploração espacial ou as questões ligadas ao metro quadrado mais caro do Planeta.
Nova variante, mais potente e terrível, pode surgir em qualquer lugar do mundo, em qualquer casa, apartamento, castelo ou tenda. E esse vírus pode se propagar e atingir a todos.
Já vimos que apenas as vacinas não seguraram o vírus. A nova onda circulante é o retrato do caos. Como dissemos há dias, o domador parece que não combinou com o leão e este está se fortalecendo e interagindo com outros parceiros virais.
A solução puramente biológica ainda não é o bastante. Continuemos nos vacinando, mas é fundamental que cada um perceba que faz parte do todo. Cada um é responsável pelo outro, como naquela famosa frase “um por todos e todos por um”. Quando a falta de empatia ou de responsabilidade social leva alguém a “furar” esse contexto, não só se expõe, pois a coletividade fica sujeita aos seus atos, em decorrência da quebra do pacto de confiança implícita na vida em sociedade. Como consequência, o que ocorre é a alimentação da possibildade de fortalecimento e nova ação desse furor viral.
No início da iluminação elétrica nas ruas, houve quem protestasse. No início dos trens, se dizia que o ser humano não sobreviveria além de certa velocidade. No início da obrigatoriedade do cinto de segurança, houve quem resistisse. No início da Pandemia, houve quem duvidasse e, hoje, mais do que nunca, decerto nos sentimos no mesmo barco. Sob qualquer ótica, é crível que a humanidade caminha como o cachorro que morde a própria cauda.
A economia precisa crescer, embora o aumento da produção não possa ocorrer sem o aumento do consumo… E o aumento da produção e do consumo depende de gente saudável.