Durou quase 300 anos, em meio a confissões obtidas por meios cruéis e penas variadas, como a perda de bens e a condenação à morte.
O Poder dos Tribunais inquisitoriais era inquestionável e até galo foi julgado por ter colocado ovo (bem, ou era galinha ou não foi o galo que o colocou, mas isso não importava, pois os Inquisidores decidiram que o galo tinha de ser punido), o que revela o quanto era discricionária a ação do julgador, em processos onde a defesa nem tinha acesso aos processos e a confissão prevalecia – ainda que obtida por meio de tortura.
Aqueles acontecimentos devem ser examinados à luz do seu tempo. Nada era como hoje. Havia diferente estrutura de Poder e de convívio social. Aos nossos olhos, eram precárias as formas de higiene, alimentação, moradia e saúde.
A Inquisição e a terrível Peste Negra coincidiram no tempo.
A Peste Negra chegou da China e matou cerca de 50 milhões de pessoas, com a contribuição dos ratos como vetores e estes eram muitos, já que gatos foram mortos pela Inquisição, sob a alegação de que estariam ligados à bruxaria!
O povo, em meio a tudo isso e se virando como podia, seguia aceitando as “verdades” sussurradas aos quatro ventos, tal qual cego e manso cordeiro, rumo a qualquer final que se lhe destine. Tempos de superstições trevosas, quando reinava medo e caos, como depois bem representou Pieter Bruegel, na obra “O Triunfo da Morte”.
Por outro lado, as pinturas retratam a soberba nos rostos dos governantes e tiranos, com enquadramento e fundo hábeis a lhes realçar a grandeza. Isso porque os líderes e os mecenas queriam o belo – e não o real – no que não diferem muito de hoje, nesse mundo das plásticas e photoshops.
Seres humanos e suas humanidades: escolhemos o que queremos mostrar e escondemos o resto. Por isso talvez mais saibamos que 1.492 foi o ano em que Colombo descobriu a América do que sobre a expulsão dos judeus da Espanha, em decorrência do Decreto redigido por Torquemada, o Grande Inquisidor.
Não se registravam os gritos de horror dos que estavam queimando nas fogueiras da Inquisição, como também não se registrava tudo o que ocorria nos escuros porões de Filinto Muller, de onde os gritos ecoavam, ao tempo da ditadura de Vargas.
Esse salto no tempo fizemos apenas para alertar como o perigo mora perto e nos fazer pensar em quantos foram e são os porões mundo afora, onde torturadores e torturados se encontravam e se encontram, longe da luz e dos registros fotográficos, enquanto mais acima e sob o sol posam para fotos os sorridentes líderes, que frequentam jantares e eventos preparados para mais fazer ecoar frases de paz e selar acordos político-comerciais.
Como o viajante que narra o que viu, o vencedor conta a sua versão.
A Inquisição e outros fatos antigos devem ser lembrados por suas causas e consequências, para que não se repitam. Como certas coisas fogem mesmo do controle, lá não atingiu apenas os que via como diferentes, pois perseguiu também os da mesma fé, como os Jesuítas, chegando a condenar o Padre Antônio Vieira.
Ademais, o radicalismo fez surgir grupos “fiscais da fé” que, como milícias armadas, defendiam a religião com vigor – algo não muito diferente do que sabemos existir por aí, em grupos tidos como radicais.
A história é cíclica e os fatos se repetem, como iguais ou com variações – e, convenhamos, o ser humano é criativo, até para dar nome diferente às mesmas coisas.
O radicalismo impera em várias frentes, o isolamento social nos abala, a sociedade do cansaço nos esgota. Somos os maiores vilões e inquisidores de nós mesmos e nos condenamos frequentemente à penas e torturas atrozes, como a dietas radicais enquanto babamos por um pedaço de torta de chocolate com bastante chantilly…
2.021 já começa complexo e acho que não há quem não esteja cheio de dúvidas.
Penso que são 5 conjuntos de enlouquecer gente sã: o ciclo Pandemia/vacinas/tratamento precoce/“novo normal”; os fatos ligados às prisões de Deputado Federal e de Jornalista por crime de opinião; a defesa do AI-5 (1968) em 2.021 e sob vigência da Constituição de 1988; o manifesto assinado por apenas 6 pré-candidatos e que se dizem preocupados com os rumos da nossa Democracia; a decisão de Ministro do STF sobre a suspeição de Juiz de 1ª Instância, o que contraria Súmula da própria Corte (Súmula 279/STF, que veda o reexame de matéria de prova, como exemplifica a decisão proferida no ARE 746620-DF).
Ainda bem que temos Constituição Federal do tipo rígido e que transpira Democracia em suas disposições, o que aumenta a expectativa do povo sobre a responsabilidade do STF como guardião constitucional (CF/102). O povo só quer se sentir orgulhoso e seguro, como na história do moleiro que, ameaçado por abusivas condutas de Frederico II, rei da Prússia, resistiu lhe dizendo “ainda há juízes em Berlim”. Que o guardião da Constituição nos garanta paz, segurança jurídica e a estabilidade, valores fundamentais à nossa vida cotidiana e para que, com ordem e progresso, possamos produzir e estar à altura de desafios que o mundo moderno nos lança.
Por fim, essa paz interna e união da Nação são fundamentais para que possamos estar aptos a enfrentar as maiores provas, que virão de fora, desse complexo mundo às vésperas de Nova Guerra Fria, notadamente entre EUA e China, os quais, junto com Rússia e Europa, lutarão por suas áreas de influência sobre “provedores”, aí incluindo produtores de matéria prima ou recursos naturais como o Nióbio (desse, o Brasil fica com 2% do valor exportado), o gás e o petróleo, o meio ambiente, a água doce etc enquanto perfuram Soberanias de países em desenvolvimento sob o fogo cruzado da propaganda e das modernas máquinas de assustar os povos e de desviar-lhes a atenção dos reais interesses em jogo…
A Inquisição ficou para trás, mas sob outros nomes ocorrem ameaças e/ou promessas de salvação a quem pense diferente. Do bullying individual aos embargos econômicos impostos a países; das ofertas “irrecusáveis” de salvação futura a povos e Nações que pareçam estar perdidos e sem rumo; da sedução fácil a líderes e governantes para submeter governos e povos aos grilhões dos que falam em ajuda mas buscam o lucro; das sedutoras campanhas de cooperação – como a Aliança para o Progresso, de Kennedy – sem igualitária divisão dos lucros ou proveito, só os querendo para as suas multinacionais e os seus nacionais, mediante a exploração e uso dos demais; da Pandemia que, como a Peste, nos desafia e assusta.
Sombras do passado subvertendo a lógica do presente.