Necessário um breve cotejo histórico, no neoliberal do governo FHC, final da década de 1990, foi iniciada no Brasil uma política de desestatização, onde diversas empresas estatais que detinham monopólios foram privatizadas, autorizando essas atividades à iniciativa privada. Na área da saúde não foi diferente, desta feita foi inserida, nestas modais, empresas prestadoras de serviços de saúde.
Conforme o Dr. Cristiano Heineck Schmitt, em artigo escrito a revista Consultor Jurídico, no período de implementação das empresas de Planos de saúde não havia “lei específica, quando prevalecia a autonomia da vontade na composição do conteúdo negocial, diversos eram os problemas vivenciados pelos consumidores. Esse campo contratual amplo, inclusive, gerou pressão de consumidores e da classe médica por uma norma com regras mínimas que garantissem igualdade no setor, o que acabou gerando a construção da referida Lei 9.656/98. Então, o que se pôde observar é que a ausência do Estado na fiscalização e regulação do setor de saúde foi muito prejudicial aos consumidores, e falhou a doutrina liberal nesse ponto, ao advogar a que autoregulação do mercado, promovida pela livre concorrência, seria um mecanismo de fomento de trocas justas.”
E, afirma o Dr. Cristiano que : “seguindo-se um padrão norte-americano de não intervenção na economia, ao invés da presença estatal direta na produção e oferta de serviços, adota o sistema de agências reguladoras, que teria a incumbência de, entre outros temas, de fiscalizar os agentes privados que estariam a oferecer serviços públicos concedidos ou estratégicos. No âmbito dos contratos de planos e de seguros de saúde, foi gerada a ANS através da Lei 9.961/00”
Ademais, com vinte e dois anos de existência, a ANS, assim como as demais “agências irmãs”, surgidas quase que do mesmo parto, ou melhor, do mesmo momento histórico, em que pese uma importante contribuição, padece de um rol de críticas, seja por parte dos usuários, dos fornecedores e do Poder Judiciário. Assim, não raro a ANS tem suas resoluções afastadas por se entender que contrariam o marco legal da saúde suplementar ou o Código de Defesa do Consumidor, entre outras leis às quais ela deve prestar subordinação – constata o Doutor supracitado.
Ainda sobre a ANS e o rol que defende ser taxativo a revista Conjur assim a define:
“Ao fomentar o diálogo, a ANS poderia tentar aproximar melhor os setores afetados no mercado de saúde suplementar, quais sejam, seguradoras e operadoras, usuários e representantes da classe médica, hospitais e clínicas. Mediação não é algo que garanta necessariamente a produção de resultados almejados. Mas, por outro lado, soluções eficazes podem ser construídas com concessões mútuas.
Essa não atuação aproximativa acaba levando a uma série contínua de pleitos judiciais, e aí estamos falando de milhares, onde é debatido o rol de procedimentos, que a ANS defende ser taxativo. O primeiro rol de procedimentos estabelecido pela ANS foi estabelecido por Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (Consu) 10/98, sendo atualizado em 2001 e dali em diante, recebendo atualizações a cada dois anos.
No processo de revisão do rol, o setor responsável reúne-se para construir uma proposta e submete a mesma à avaliação da sociedade por meio de consulta pública, através da internet. Por lógico, a participação do leigo que pouco ou nada entende de medicina é muito limitada, afora o fato de que nem todos os cidadãos têm acesso à internet, ou conseguem navegar por ela, por motivo de idade, de doenças e desconhecimento. Por outro lado, a atuação dos fornecedores é muito visível, até porque as incorporações de novas tecnologias na área médica mexem nos valores do setor. Em resumo, o método utilizado, na prática, não é igualitário, no que se pode então questionar a sua eficiência.
Seja por isto, ou por outros motivos, como a limitação da atuação do médico, em violação ao Código de Ética Médica, por exemplo, seja por gerar desequilíbrio proibido ao consumidor, ou por representar também um afastamento da Lei 9.656/98, a ANS, que pretendia obter um pronunciamento judicial unânime no STJ, sobre a taxatividade de seu rol de procedimentos, acabou com uma resposta bem diferente.”
Já de volta ao tema desta coluna, no âmbito dos Recursos Especiais nº 1.886.929 e nº1.889.704, o STJ entendeu que o referido rol tem cunho taxativo “mitigado”, ou “modulado”. Nomenclatura, acredito inapropriada, melhor seria ser chamado de “rol exemplificativo com requisitos”. Ou seja, conforme o professor Cristiano: “o STJ não aderiu à proposta da ANS de que a mesma teria a última palavra em limites de coberturas, passando a definir que, comprovadas certas circunstâncias em torno do paciente e do tratamento adequado, o mesmo passa ter o direito de receber a cobertura do que realmente necessita. E, assim sendo demonstrado, resta afastado o rol da ANS no caso concreto.”
Por fim, declara o Douto professor que: “Esse tipo de postura já é conhecida, aliás, no STJ e no STF, acerca do fornecimento de tratamentos na via do SUS. Não é equivocado exigir-se comprovação técnica para o deferimento do tratamento pleiteado pelo paciente, quando o rol não atende essa demanda. Mas também viola o sistema jurídico empoderar a ANS do conhecimento técnico último, ao ponto de a mesma poder se sobrepor ao profissional médico, desprezando as peculiaridades do paciente. Afinal, a medicina não é uma ciência exata. Por fim, mesmo diante dessa decisão do STJ, posterior pleito foi julgado pela mesma corte atribuindo caráter exemplificativo ao rol, e agora o tema chama a atenção também do STF. Cabe-me registrar, portanto, que serão muito empolgantes os próximos capítulos da saga rol da ANS.”
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Até domingo que vem!