As crianças e a mentira
Será que as crianças mentem? Será que seres tão inocentes e ingênuos têm a habilidade, o engenho e a premeditação suficientes para mentir? E qual a fronteira entre a mentira e a imaginação? Entre o faltar à verdade e o mentir? Entre omitir certos fatos e contar a história à sua maneira?
Todas as crianças têm capacidade de mentir, ao não ser que tenham algum déficit de desenvolvimento. Os pequenos começam a mentir para dobrar os adultos e conseguirem o que desejam e o que tudo isso tem a ver com os valores morais que elas aprendem.
Nos vários estudos de sobre a mentira infantil descobriu-se que as crianças começam a mentir por volta dos 2 anos. Aos 3 anos, são 40%. Aos 4, 80%. Mais tarde, são todas. Outros estudos observando crianças em casa descobriram que as de 4 anos mentiam uma vez a cada duas horas. E as de 6 anos, uma a cada hora – em geral para esconder alguma coisa que não deveriam ter feito.
Tudo isso significa que crianças são terríveis seres amorais? Não. Elas aprendem, sim, que mentir “é feio”. Só que isso muda conforme a idade. Quanto mais novas forem, mais elas dividem o mundo entre bem e mal e acham que qualquer tipo de mentira é má. Aos 5 anos 92% das crianças acham que toda mentira é má, por mais que elas próprias mintam. Só que elas não conseguem nem sequer definir direito o que é uma mentira. Para 38% das crianças de 5 anos, xingar é mentir. Se você perguntar por que mentir é ruim, metade dirá que é ruim porque quem mente é castigado. Ou seja, crianças de 5 anos mentem e acham isso feio, mas ainda não sabem definir o que é mentira e a julgam de acordo com as consequências (Victoria Talwar, da Universidade McGill, em Montreal).
Mas isso vai mudando conforme elas crescem, até saberem o que são mentirinhas de nada e mentiras para valer. Isso porque passam a entender as implicações além do castigo. Segundo Talwar, aos 11 anos, 48% delas dizem que o problema da mentira é que ela destrói a confiança, 22% que ela nos faz sentir culpa e só os 30% restantes citam o castigo.
Aprimorando a arte
Não basta mentir. É necessário convencer. E, nesse ponto, crianças só começam a melhorar sua habilidade dos 7 em diante, quando, diante de perguntas de adultos, são capazes de sustentar a lorota sem cair em contradição, planejando uma estratégia que convença o enganado. Essa sofisticação de suas mentiras evolui sem parar até se tornarem adolescentes, tão dissimulados quanto um adulto. A mentira na infância não é uma falha moral, mas sinal de que a criança atingiu um novo patamar cognitivo.
Mentir bem não é nada mais que saber pensar.
Saiba como a capacidade de enganar se aprimora ao longo da infância
2 ANOS
Aos 2 anos, a criança já imita os outros – principalmente os mais velhos. Também é capaz de obedecer instruções simples, como “pegue o sapato e guarde no armário”. Entende cerca de 200 palavras, fala umas 50 e já consegue construir frases com 2 ou 3 delas. Mas nem tudo é beleza. Afinal, ela aprendeu o que significa “meu”, mas não “seu”. De repente, a belezinha de bebê passa a gritar, chutar, morder, brigar, desafiar quem manda nele. E, quando faz alguma coisa que não deveria, já é capaz de contar uma mentira. Em testes para avaliar a honestidade, 20% delas mentem.
4 ANOS
A criança já sabe de 2 500 a 3 mil palavras, entende algumas figuras de linguagem, constrói períodos compostos e conta histórias. Com isso, suas brincadeiras de faz de conta também se tornam mais complexas – e as mentiras, abundantes. Nessa idade, 80% das crianças mentem com facilidade em testes. Isso, porém, não significa que ela seja boa no engano. Para contar uma mentira bem-sucedida, é necessário manter a história coerente do início ao fim. E aí está seu ponto fraco. Basta fazer-lhe algumas perguntas para a criança cair em contradição.
7 ANOS
Chega a idade escolar – e, com ela, um novo passo para a mentira: agora, a criança consegue manter sua história sem se contradizer. Isso revela uma nova capacidade importantíssima da mente da criança. Ao mesmo tempo que planeja e memoriza uma versão mentirosa, consegue manter-se atenta e inibir pensamentos que sejam contrários a essa versão.
13 ANOS
Ao entrar para a adolescência, o filho se torna capaz de mentir com palavras e com o corpo, feito um adulto. Até então, conseguia criar um discurso coerente, mas seu olhar facilmente a entregava. Num estudo com crianças de 7 a 15 anos, as de até 9 anos mantiveram menos tempo o contato visual quando mentiram. Em vez disso, olhavam para cima, numa expressão de pensamento. Já as mais velhas sabiam que manter “olho no olho” era sinal de sinceridade. (Maurício Horta – Revista Super Interessante 8 mar 2013, 22h00 – Atualizado em 31 out 2016, 18h46)
Tema sugerido pela leitora Lucyana Cabral
