Há tragédias inusitadas? Há. Tragédias ao estilo de um lance de dados – Coup de dés, de Mallarmé, o poeta do enigma, da vida ou da poesia enclausurada na Esfinge a ser decifrada.
Há tragédias diárias nos atos impensados, nos arroubos, roubos e rombos no público e no privado.
Há tragédias anunciadas.
Anunciadas no voto vendido por um cargo, um chinelo, um abrigo ou um status na mídia, ou até pela benção de um fariseu… Neste caso, melhor ser ateu. Assim penso eu.
Anunciadas na desconexão do ser humano com os movimentos da Terra, com os ciclos e pegadas das trajetórias climáticas, da necessária observação de aprendiz para ouvir o que a Natureza diz.
Há, no Sul do país, cidades arrasadas – completamente devastadas – onde velhos, jovens e crianças permanecem desolados.
Chão nu, onde outrora houve casas, jardins, plantações, invernadas com cavalos e boiada.
Povo alucinado. As águas levaram tudo de um só sopro, com fúria e tenacidade. Agora o frio se aproxima e as roupas não foram repostas, as lareiras não foram acessas, os fogões sem lume, os pés na lama.
Recursos foram enviados, o país se uniu em atos de solidariedade, o governo entendeu o drama das gentes, que despidas de tudo que é seu estão à deriva, e sua parte cumpre; mas os recursos que chegam, como era previsível, são desviados, em vários municípios, por ímpios de alma, oportunistas. Ainda há isso.
Os cientistas previram. Pessoas das mais diversas áreas técnicas, faz muito tempo, encaminham informações sobre a tragédia anunciada. Os eco chatos foram hostilizados – só queriam que os espaços das árvores e das águas fossem respeitados e o homem e a natureza vivessem irmanados em gloriosa jornada.
Águas são como sentimentos, não se aprisionam em compartimentos com cimentos. Vieram para fluir. A Natureza, por ser uma senhora sábia, deu-lhes as várzeas para extravasarem-se em seus momentos de alegria ou consternação e as vegetações nativas para facilitar as comunicações aquáticas subterrâneas e aéreas, no planetinha azul, uma esfera.
ECO de ecológico. Eco – reverberação, sons repetidos.
Eco de Humberto Eco, filósofo e escritor italiano, mundialmente conhecido.
Há uma frase sua a ressoar longilínea cada vez que me deparo com a expressão “vontade divina” diante de consequências de atos não assumidos – desrespeito à grandeza do divino.
“Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Humberto Eco).