Vou contar a história de um julgamento no Tribunal do Júri. E olha que eu tenho muitas para contar. Se a preguiça não me vencer, certamente vou brindar meus leitores com histórias incríveis reunidas em um livro que vou nominar de Minha Beca Puída para não cair na repetida Beca Surrada.
Todos os julgamentos que eu participei na acusação como promotor de justiça foram precedidos de longas horas de estudos, tanto do processo como de oradores famosos. Desnecessário dizer que no Brasil o maior tribuno foi o baiano Rui Barbosa. Paraninfo de uma turma de direito de 1920 do Largo de São Francisco, já doente não pode ir à formatura. Mas nos deu um legado lido na outorga deixando todos estupefatos: Oração aos Moços, uma das mais brilhantes reflexões produzidas pelo jurista sobre o papel do magistrado e a missão do advogado.
Na peroração também temos que render homenagens ao advogado e diplomata mais brilhante da nossa história, José Maria da Silva Paranhos Júnior, conhecido como Barão do Rio. Ele tinha uma fala imbatível no tapetão. Ganhou no verbo na Corte de Haia territórios que muitos generais não ganharam com o canhão e a baioneta. O Amapá e o Acre devem muito a ele.
Eu me inspirava nessas passagens porque às vezes a prova não era boa pela deficiência na investigação. Daí a importância da fala, porque ali você está lidando com seres humanos, com sentimentos e emoções. Inúmeras vezes chorei no júri e fiz jurados e a plateia ir às lágrimas. Por isso sempre me interessei por essas histórias maravilhosas, como essa que vou contar.
Mas essa história é diferente. É de um processo envolvendo a morte de um cão, Old Brum (Velho Tambor). E com certeza um dos discursos mais emocionantes que li e me fez verter lágrimas inúmeras vezes. Portanto, se você chorar não se preocupe, você é normal! O Velho Tambor era o melhor cão de caça de um fazendeiro local no Missouri, EUA. Um vizinho, desconfiado que o animal andava matando suas ovelhas, deu ordens para que atirassem no cachorro se ele voltasse a aparecer em suas terras.
Velho Tambor foi encontrado morto perto da casa do vizinho e aí seu dono o processou, pedindo uma indenização de 50 dólares. Os jurados lhe deram 25 dólares. O vizinho apelou da sentença. O dono do cão obteve novo julgamento e contratou dois advogados, um deles George Graham Vest (1830-1904), que também foi Senador entre 1879 e 1903. Leiam a maravilha dessa construção de oratória:
“Senhores jurados, o melhor amigo que um homem tem neste mundo pode voltar-se contra ele e tornar-se seu inimigo.
O filho ou filha que educou com amor e cuidado podem responder com ingratidão.
Aqueles que estão mais próximos e são mais amados por nós — aqueles a quem nós confiamos nossa felicidade e nosso bom nome — podem tornar-se traidores desta confiança.
O dinheiro que um homem tem, pode perder. Foge dele, talvez quando ele mais precisa.
A reputação de um homem pode ser sacrificada no momento de uma ação impensada.
As pessoas que se apressam a se ajoelharem a nossos pés quando o sucesso está conosco, podem ser as primeiras a jogarem a pedra da malícia quando o fracasso paira sobre nossas cabeças.
O único amigo desinteressado que um homem pode ter neste mundo egoísta — aquele que nunca é ingrato ou traiçoeiro — é seu cão.
Senhores jurados, o cão permanece com seu dono na prosperidade e na pobreza, na saúde e na doença. Ele dormirá no chão frio, onde os ventos invernais sopram e a neve se lança impetuosamente, se apenas o deixarem estar ao lado de seu dono.
Ele beijará a mão que não tem alimento a oferecer, ele lamberá as feridas e as dores que aparecem nos encontros com a violência do mundo.
Ele guarda o sono de seu dono miserável como se este fosse um príncipe. Quando todos os amigos o abandonarem, ele permanecerá. Quando a riqueza desaparece e a reputação se despedaça, ele é constante em seu amor, como o sol em sua jornada através do firmamento.
Se a fortuna arrasta o dono para o exílio, sem amigos e sem abrigo, o cão fiel não pede mais do que o privilégio de acompanhá-lo, a fim de protegê-lo contra o perigo, a fim de lutar contra seus inimigos.
E quando a cena final se apresenta e a morte leva o dono em seus braços e seu corpo é deixado no chão frio, não importa que todos os amigos sigam seu caminho; lá, ao lado de sua sepultura, se encontrará o nobre cão, a cabeça entre suas patas, os olhos tristes mas alertas, fiel e verdadeiro até a morte”.
Com seu discurso, o advogado George Graham Vest arrancou lágrimas dos jurados e cunhou a célebre frase “o cão é o melhor amigo do homem”.
Essa história foi levada às telas de Hollywood no filme “The Trial of Old Drum”, vertida para o português em “Meu Amigo Drum”.
E aí? Chorou?
Fórum Íntimo – professor doutor em Direito pela PUC-SP, advogado e promotor de justiça aposentado