Os fogos serpenteiam, incendiam e ateiam explosões nas balcãs, eclipsando o mundo.
Os ventos sopram e rugem poeiras e ferrugens cavando covas nas encostas e estremaduras.
Sibilam ciclones sobre os oceanos tropeando tornados e furacões, ferindo planícies e sonhos de Alices e Jerônimos nas cidades e sertões.
Quadro de ressaca humanitária indivisa, resta-me fugir do espanto dos ódios e dos medos, voando mergulhar no encanto de encantar-me com o canto e em acordes, os quais como relâmpagos iluminam, desbravando as sombras das guerras nascidas em campos próximos e distantes, um encontro com a paz.
Na noite que alteia, tece e semeia estrelas em meu olhar, visões de amores em meu sonhar, encontro poemas e relei-os como se fora a vez primeira, mergulho em páginas e frases, versos ritmados e convexos, outros com rima aberta ou sem rima. Não importa. Importa que o poetar seja a expressão de amar e sentir o sabor das palavras a fluírem livres entre pensamentos e sentimentos de hoje, de ontem, de séculos distantes.
Esbarro em Rumi, lá no século XIII, e ele suave e firme põe minha alma a bailar com um verso de solfejo a inebriar-me por inteiro: “Quando vejo a vida passar percebo que tudo que vejo é sagrado”.
Sagrado o caminho e o caminhante, sagradas as vestes e vestais e a nudez da pureza angelical de um olhar sem maldades ou malícias. Sagrada a manhã com seu suave riso de despertar. Sagrado o apogeu do Sol, ao meio-dia, a nos iluminar. Sagrado o entardecer que nos faz fenecer e repousar. Sagrada a noite com seus mistérios e travessias sob o escuro manto do incógnito tergiversar.
Sim, tudo que vejo é sagrado. As folhas amarelecidas do outono; os campos prateados pelo inverno; meus cabelos loiros acinzentados, agora, cinza aloirados; as cores multicores das versões diversas da natureza inquieta; o verso e o metaverso em incongruente congresso.
Tudo que vejo é sagrado. O sorriso ou o choro da criança, a trança da menina crescida, o drible em um ou dois tempos dos jovens despertando para os saltos nas alturas ou para o mergulhar nas profundezas das águas e da vida. O vendedor, o ambulante, caminhando na calçada confiante de que sua jornada será bem-sucedida e lhe dará dignidade, abrigo, alento e alimento.
Tudo que vejo é sagrado. Fecho os olhos em uma reverência agradecida.