No final do ano passado tive a oportunidade de visitar algumas cidades brasileiras e passar a virada do ano em uma delas, por sinal muito bonita com praias maravilhosas, que me reservo o direito de não revelar o nome para não magoar ninguém pela escolha. O que percebi Brasil a fora foi um certo ar de desesperança. Tanto no Natal quanto no Ano Novo, datas tradicionalmente alegres não percebi nos rostos do povo nenhum sinal de alegria ou esperança, pelo contrário havia no ar uma sensação enorme de desestimulo.
Os nossos símbolos, aos poucos, foram sendo extirpados e jogados no esquecimento, em poucos lugares ainda se hasteia a bandeira brasileira, não há mais crianças cantando o hino nacional na entrada das escolas, as frases de Feliz Natal, que deveriam ser proferidas desde a data do Advento não são mais usadas salvo nas redes sociais e cartões, e Feliz Ano Novo não se houve mais nas ruas das cidades, não sei se os leitores lembram que ao ligar para qualquer empresa ou receber um telefonema tais frases abriam a conversa, isto não acontece mais.
Eis que chega o carnaval e vou deixar para um competente articulista descrever o que percebeu na sua cidade, o Rio de janeiro que sempre foi considerada a capital do carnaval. A Gazeta do Amapá publicou, no domingo 28/01/2024 o artigo “Um certo ar de quarta-feira de cinzas” onde o competente articulista Rogério Reis Devisate, Advogado, Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ, Palestrante e Escritor, descreve o que sentiu sobre a época carnavalesca na sua cidade, que transcrevo trechos.
“Às vésperas do Carnaval, andei pelas ruas da região central do Rio de Janeiro. Não as vi cheias de gente e carros e os rostos das pessoas não refletiam algo com que estávamos acostumados – e, exatamente por isso, o estranhamento, aqui revelado. Faltavam os passos apressados, o jeito garboso, o sorriso faceiro e o brilho no olhar. Havia silêncio e não o som das buzinas. As lojas não estavam movimentadas. O trânsito, estranhamente, fluía. Não havia pessoas apressadas, atravessando as ruas fora das faixas e por entre os carros. Não vi pretensos passageiros disputando o mesmo táxi, como também pessoas se acotovelando nos balcões dos bares ou filas de espera nos restaurantes.
Talvez tudo fosse fruto do céu cinzento, prenúncio de mais chuvas a alagar a cidade e a congestionar o já caótico trânsito. Quem sabe se esse clima não decorria dos bolsos vazios no final do mês ou, simplesmente, por não estarem as pessoas no clima de carnaval? Seria pelo início da temporada da Quaresma e sua simbologia de penitência e dor? A par do motivo de cada um, a verdade é que havia um jeito de Quarta-Feira de Cinzas, há poucos dias do início do Carnaval. Não sei se foi só hoje ou se tem sido assim e a minha percepção havia falhado. Só sei que hoje notei algo diferente, caminhando pelas ruas, sem pressa e olhando ao redor, algo que a condição de sempre estar apressado ou dirigindo não me permitia.
Inegável que há algo diferente no ar. Pode ser alguma síndrome pós-pandemia, o esfriamento das atividades econômicas, crise financeira ou política, o dia de chuva. Pode não ser algo tangível, consciente ou padronizado. Pode ser tudo ou nada. A verdade é que uma sensação perceptível cortou os ares da cidade.
Um passado de desesperança se cura na curva do presente e no rumo para o futuro. Por outro lado, um futuro sem esperança contamina o presente, desanima o empreendedor, o produtor, o empregador e o empregado, o eleitor, o estudante, quem busca o primeiro emprego, quem se aposenta e quem não pode se aposentar porque precisa ainda trabalhar para o sustento. É como se tudo parasse e ficasse hibernando, à espera de dias melhores.
Outro aspecto importante é que este quadro não parece ser exclusivo da nossa situação. A humanidade sente no ar o peso da responsabilidade por questões ambientais, por guerras em curso e por acontecer, por sumidouros econômicos e furacões financeiros, por instabilidades políticas e o acirramento de discursos de intolerância nos dois extremos da política global. Aliás, recentes movimentos antissemitas nos lembram de coisas que ocorreram há cerca de 100 anos, na Alemanha, com resultados conhecidos e que tristemente revelaram do que a humanidade é capaz.
Estamos menos atávicos no que diz respeito à reprodução de valores ancestrais e mais ligados a um tempo egoísta e pessoal, fortemente influenciados pela vida digital, em época onde os algoritmos e aplicativos e sites são projetados para cada vez mais prender a nossa atenção e ocupar o nosso tempo, viciando os usuários, fomentando sentimentos imediatistas e raivas e inconformismos com coisas triviais, como respeitar os sinais de trânsito, as filas, a ordem de chegada.”
Também é inegável que os caminhos que o Brasil está tomando e a desesperança política estão influenciando fortemente o humor dos brasileiros que pouco a pouco vem perdendo as esperanças.
“Sempre é tempo de recordar que os seres humanos criaram a ‘máquina pública’, o Estado, para promover o desenvolvimento dos países traduzidos em benefícios para a população, afinal os recursos públicos que são nada mais, nada menos que os recursos de cada um de nós. A ‘máquina pública’ não foi criada para se auto alimentar”.