Vadoca comemorou seus 90 anos com uma belíssima festa patrocinada pelos seus filhos, cuja temática foi, claro, o futebol. Não foi só uma confraternização familiar. Havia, além do tradicional bolo, uma história a permear o evento, numa avalanche de memória a descrever a identidade do verdadeiro futebol pioneiro deste Estado, conforme doutrina a percuciente lição de Fernando Canto. Vadoca é remanescente dos que viveram a experiência do futebol brilhante sem o rigor das técnicas ensinadas nas bases dos clubes organizados. É testemunho vivo do talento desenvolvido por intuição nos campos de terra batida da Rua Praia nos duros embates das peladas dos moleques pobres na disputa com a artesanal bola de seringa.
Vadoca – sustentam os velhos cronistas e alguns memorialistas do futebol amapaense – tinha um extraordinário talento para o futebol com uma leveza que encantava. Iniciou no futebol com catorze anos, desafiando a tradição etária. Era de uma genialidade rara o que lhe angariou fama e prestígio na época. Hoje – como alfaiate – reproduz na parede temática de seu ateliê, a memória de sua história como desportista com fotos antigas que deixam um cheiro da Rua da Praia, local onde ensaiou seus primeiros dribles. Leonai Garcia, no livro Bola de Seringa, além de descrever os dotes técnicos de Vadoca, elege-o como inspiração da obra, por retratar uma época em que a genialidade futebolística era parida em ambientes ultra adversos.
Na verdade, há dentro do niver da lenda viva Vadoca uma reivindicação silenciosa, charmosa e necessária da preservação da memória como ferramenta edificadora da cultura do futebol. Há, certamente, outros “vadocas” esquecidos que, sem a oportunidade de expor suas narrativas do passado, deixam um vazio histórico que espanca e acutila, sem perífrases, a cultura do futebol e deixa órfã gerações futuras. Há de acenar para que o poder público honre seu papel de ente que tem o papel incontornável preservar sua memória de modo a permitir que gerações futuras não fiquem privadas de conhecer tantas histórias maravilhosas como a do menino Vadoca da Rua da Praia que construiu sua técnica e talento usando a bola de seringa nos campos de terra batida da antiga Macapá. Salve o Vadoca!