A FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO AMAPAENSE – O CONTESTADO BRASIL X FRANÇA: como o herói Cabralzinho matou em combate o capitão francês Lunier, ensejando a delimitação definitiva das fronteiras do Amapá nas cortes internacionais.
Vou falar um pouco sobre a formação territorial do Estado do Amapá e o fato marcante da batalha na atual Cidade e Comarca do Amapá, na qual Cabralzinho, comandando um exército de 14 homens, derrotou a esquadra francesa numericamente superior e com farta munição, matando o Capitão francês Lunier.
O comerciante Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05/05/1861. Era filho de Rodrigo da Veiga Cabral e Maria Cândida da Costa Cabral. Seu pai exerceu o cargo de vereador na Câmara Municipal de Belém, a partir de 1861, por vários períodos. Contraiu casamento com Altamira Valdomira Vinagre da Veiga Cabral, filha de Pedro Augusto de Oliveira Vinagre e Emiliana Estelita Pereira Vinagre. O nome Vinagre está ligado ao movimento revolucionário que ensanguentou a antiga Província, denominada A Cabanagem no tempo do Império. De seu matrimônio nasceram as filhas Maria de Jesus da Conceição, Valdomira Cândida e Altamira Cândida. Altamira foi casada com o eminente advogado e jurista, ex-Prefeito de Belém, Alcindo Cacela.
Algumas fontes dão a Veiga Cabral como nascido em Cametá. Em publicação estampada no jornal “Folha do Norte”, em longo noticiário remetido no Rio de Janeiro, por ocasião do seu centenário em 1961, constam informações que teriam sido prestadas pelo Professor Mário da Veiga Cabral: “Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em Belém, capital do Estado do Pará, dali embarcou com destino a New York, no ano de 1891. Nos Estados Unidos, portanto, passou algum tempo, retornando ao Brasil impregnado, naturalmente, dos mesmos ideais americanos que aqui tanto repercutiram na Independência”. “Era homem de baixa estatura dae chamarem-no (Cabralzinho), agilíssimo e valente”. Faleceu em Belém a 18 de maio de 1905 aos 45 anos de idade.
Para entender com perfeição a formação do espaço territorial do Amapá, voltamos à época do descobrimento da América sob Cristóvão Colombo, em 1492.
Em resistência à pretensão da Coroa Espanhola, que requereu ao Papa Alexandre VI (cardeal espanhol Alexandre Bórgia) uma bula para a posse da terra, discordou o rei de Portugal D. João II, sendo assinadas em 3 e 4 de maio de 1493 as Bulas Intercoetera, garantindo aos lusitanos as terras a 100 léguas a oeste de Açores e Cabo Verde e o remanescente aos espanhóis.
Ainda assim insatisfeito, Portugal assinou com a Espanha em 07 de junho de 1494 o Tratado de Tordesilhas, fruto dos estudos de Duarte Pacheco Pereira, ampliando aquele limite para 370 léguas, interessando-nos esse pacto porque as terras do Amapá ficavam na área espanhola.
Américo Vespúcio percorreu o litoral amapaense em 1.449, navegando pelas ilhas Cavianas e dos Porcos, secundado por Vicente Yanês Pinzón em janeiro de 1.500, ambos por ordem da Coroa Espanhola, descobrindo este famoso navegador a foz do Rio Oiapoque, rebatizado primitivamente de Vicente Pinzón, o que daria mais tarde origem ao Contestado do Amapá.
Pinzón nominou a ilha de Marajó de Marinatãbalo, registrou a existência do Cabo São Vicente (possivelmente o Cabo Orange) e o rio Amazonas chamou de Santa Maria de La Mar Dulce. As terras do atual Estado do Amapá batizou de Costas Añegadas (terras afogadas).
Entre 1540 e 1542, o navegador Francisco Orellana explorou o Amazonas (rio Marañón) de Quito ao Atlântico. Ao retornar à Espanha, recebeu em 1.544 do Rei Carlos V uma área de terra nominada “Adelantado da Nueva Andaluzia”, nome dado às terras que formam hoje o Estado do Amapá. Um naufrágio ao rumar às terras o impediu de se apossar, indo a óbito juntamente com a tripulação.
Segue depois a criação do Estado Maranhão em 1.621 com sede em São Luis, transformado em Estado do Grã-Pará e Maranhão em 1.751. Em 1.637, o Rei Felipe IV da Espanha e III de Portugal (União Ibérica) criaram a Capitania da Costa do Cabo Norte, área que abrangia o Estado do Amapá e um pouco mais do interior do continente, tendo como donatário Bento Maciel Parente em face da necessidade de povoar a região amazônica, à época chamada pelos portugueses de Feliz Lusitânia. Bento Maciel nada efetivou em termos de povoamento E morreu em 1.645, o que ensejou a reversão daquelas terras à Coroa Portuguesa e anexação à Capitania do Grã-Pará.
A capitania do Cabo Norte era delimitada pelo rio Oiapoque, Paru e Amazonas.
Contudo, o Rei Francês Francisco I questionou a divisão do mundo entre as potências Ibéricas e reivindicava as terras da margem esquerda do rio Amazonas, degenerando em conflitos e incidentes nos mares e em terra, com invasões recíprocas, mormente por provocação do Marquês De Ferrolles (Pierre E’lenor da La Ville), então Governador da Guiana Francesa.
O SURGIMENTO DO CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO: Dada a opção pela solução diplomática, a França e Portugal assinaram o Tratado Provisional de 04 de março de 1.700, de caráter suspensivo, determinando a neutralidade da área em conflito no Cabo Norte, vedadas ocupações e construções, demolindo-se dois fortes portugueses na área, mantendo-se os nativos e proibindo-se a escravização.
Este Tratado foi ratificado em 18 de junho de 1.701, sem solucionar os limites da Capitania do Cabo Norte. Os Franceses continuaram a explorar a região, desprezando o pacto. A participação de Portugal na Guerra da Secessão da Espanha, aliado à Inglaterra, Holanda e Áustria, contra a França de Luis XIV e a Espanha de Filipe V levou à anulação do Tratado, recorrendo à Inglaterra como intermediadora.
Surgem os 7 Tratados de Utrecht de 1713 e por um deles ficou definido que a divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa seria o rio “Japoc ou Vicente Pinzón”. Em virtude desta dupla alusão, duraria quase duzentos anos a discussão sobre se o rio Oiapoque e o rio Vicente Pinzón eram o mesmo rio, e quais rios eram. Isto é, onde era a fronteira.
Não obstante, denotando manifesta política imperialista, os Franceses desacataram novamente as disposições, invadindo o território Português. Na verdade, conforme frisou Joaquim Caetano da Silva, a questão Francesa era obter um território à margem do rio Amazonas, eis que o Tratado de Utrecht tinha duplo objetivo em relação à Amazônia de assegurar exclusivamente ao Brasil a navegação e a utilização da Amazônia e deixar para o Brasil a metade oriental do Oiapoque e a metade sul da cadeia do Tumucumaque.
Registre-se que a Capitania do Cabo norte foi elevada à Província de Tucujus por ato de 1.748, de D. João V, no governo de Francisco Pedro de Mendonça Gurjão. Dez anos mais tarde, Francisco Xavier de Mendonça Furtado transformou o povoado de Macapá na Vila de São José de Macapá.
Sob o comando de Napoleão Bonaparte, a França levantou questão a respeito do Tratado em 10 de agosto de 1.797, anulando-o e determinando o limite entre os dois países o Rio Calçoene, denotando a fraqueza de Portugal diante do expansionismo imperialista napoleônico.
Firmam-se em 1.801 o Tratado de Badajós, fixando como limites fronteiriços o rio Araguari e impondo a Portugal o pagamento de indenização de 15 milhões de francos-ouro à França.
No Tratado de Madri de 1801 Portugal cedeu mais território, fixando como limite o Igarapé Carapanatuba e em seguida, pelo Tratado de Amiens, entre França e Espanha, foi redefinida a fronteira pelo rio Araguari.
Em 1.807 Napoleão invadiu Portugal. Em retorsão, o príncipe-regente D. João (futuro D. João VI) tomou as terras do Contestado, inclusive Caiena, com o apoio das tropas inglesas, efetuando o desembarque e adentrando em Caiena em 1809, quando as forças comandadas pelo Coronel Manuel Marques rendeu 593 gerdarmes, ficando a colônia francesa sob o governo de Maciel da Costa (futuro Marquês de Queluz) por sete anos.
Portugal assinou em 1.810 uma convenção visando restituir a Guiana Francesa, deixando transcorrer “in albis” a oportunidade de reconhecer da França o limite defendido pelos lusitanos, o que para Sarney e Costa foi uma vitória dos franceses. O Ato Final do Congresso de Viena assinado em 1815 definiu que a área da Guiana até o rio Oiapoque retornaria ao domínio francês, ratificando o Tratado de Paris de 1817 e fixando o limite estabelecido pelo Tratado de Utrecht de 1713.
Mas a França voltou a invadir o território da Capitania do Cabo Norte no período de 1.835 a 1.840, prevalecendo-se da conjuntura por ocasião do movimento da Cabanagem, o que fragilizou a vigilância na área em questão. Dessa feita, os franceses sustentavam que o rio Vicente Pinzón não era o rio Oiapoque, descrito no Tratado de 1.713 (Utrecht) por Iapoc Vicente Pinzón.
Em 1836 os franceses construíram uma fortificação nas imediações da Vila de Amapá, numa localidade próxima ao lago Ramudo, fazendo o Brasil recorrer à intervenção britânica, que, através do “Foreing Office” determinou ao Capitão Harris, comandante da corveta “Race” a averiguação do fato, o que foi confirmado e levado ao conhecimento do Império Brasileiro. Em razão disso, D. Pedro II por mútuo acordo com Napoleão III neutralizou a região do Contestado novamente e nosso território foi desocupado em 1.841.
Passou a diplomacia brasileira a defender o princípio do “uti possidetis”, segundo o qual era de soberania de cada país o território no qual tinha instalações oficiais ou de seus cidadãos, quando da independência das metrópoles. Para retomar as negociações, o Imperador D. Pedro II nomeou Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, o qual debateu nas quinze conferências de agosto de 1.855 a julho de 1.856. Em atitude conciliadora, chegou a oferecer o rio Calçoene como divisa, recusado peremptoriamente por Napoleão III, o qual insistia na fronteira com o rio Araguari.
Enquanto isso nas terras tupiniquins, em conseqüência do movimento da Cabanagem no Amapá, foi proposta em julho de 1.853 na Assembléia Nacional a criação da Província do Oiapoque ou Pinzônia, que incluía o Estado do Amapá e as cidades paraenses Gurupá e Almeirim, de autoria do senador Cândido Mendes, sendo rejeitada.
Continua na próxima edição…
Adilson Garcia
Professor, doutor em Direito pela PUC–SP, advogado e promotor de justiça aposentado.