Ao longo das décadas seguintes não foi diferente essa ação direcionada para outras modalidades de cadeia produtiva existentes na Amazônia Legal. Em relação a exploração mineraria sempre a preferência e o direcionamento são para empresas de grande porte, de preferência, de países europeus, em detrimento da atividade por cooperativas/associações de garimpeiros, que tem proteção na Constituição Federal (inciso XXV, art. 21).
Em relação a última política pública em relação as concessões florestais, da FLONA e FLOTA, o processo vai no mesmo ritmo. A preferência estatal é para empresas internacionais com contratos de 40 anos, em que nenhuma empresa local ou até mesmo nacional consegue cobrir as exigências, até mesmo do seguro, e ter capital de giro para gerir um negócio com essa complexidade, sem olvidar do calote fundiário público, por ausência de estudos técnicos e de audiência pública para identificar ancianidade das posses e das ocupações legitimas e das propriedades consolidadas.
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, coloca em primeiro lugar, entre os princípios fundamentais da República, a soberania nacional. Logo em seguida, no artigo 3º, ao enumerar os objetivos fundamentais da República, destaca a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais. O cenário político atual compromete todos esses valores, quando direciona para determinadas cadeias produtivas os recursos naturais em detrimento dos demais, com isso ataca princípios basilares, como o da isonomia e o da segurança jurídica.
Não será fácil esse processo de regularização fundiária advindos da transferência das glebas da União para os Estados, principalmente pela ausência de expertise na matéria, pela inexistência de um Comitê de Governança de Terras, sendo necessário empenho do MPE, da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça, das Procuradorias dos Estados, da OAB, dos grupos com representação das cadeias produtivas através do fórum, e da pastoral da terra, quanto ao aspecto de estruturar e implantar varas fundiárias, de disciplinar por provimentos e resoluções, da implantação de portal da transparência, junto aos órgãos de terras, de meio ambiente, e de cartório de registros de imóveis, em que haverá conflitos, com apropriação e expropriação dessas terras fruto da invisibilidade das posses e das ocupações legitimas e de propriedade consolidada, decorrente de estudos técnicos e de cadastro ocupacional.
O Brasil tem suas raízes muita atrelada a concepção de que nos grandes projetos nacionais, os agricultores familiares são julgados como obstáculos que precisavam ser removidos. Inclusive são contrárias as posses agrárias e agroecológicas, por exigir a posse continua, direta e ininterrupta, e favorável a posse civil.
Quem não se lembra da Portaria n.º 10 do INCRA, que proibiu a circulação de Certificação de Cadastro de Imóveis Rurais (CCIR), exatamente como empecilho das posses em terras públicas. Quer analisar mais profundo esse processo que poderá se repetir nessas glebas públicas, então procure informações no sudeste do Pará, no leste do Maranhão, ou mesmo na experiência do recente da MATOPIBA antes das ações novas para governança da terra pelo poder judiciário e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nessas regiões existiam e ainda existem muitas dificuldades em solucionar os conflitos agrários, parte em detrimento da má gestão pública e disponibilidade política de solução da questão, além da não utilização da Teoria da Posse Agrária e agroecológica nos julgados quanto às disputas judiciais pela posse da terra, as quais, em sua maioria, não observam o cumprimento da função social, constitucionalmente previsto.
Infelizmente os órgãos de controle social e o judiciário ainda sofre influência do sistema político reinante, principalmente quando órgãos de meio ambiente e de terra são entregues para grupos políticos, culminando a junção dos órgãos da União e dos Estados em seus poderes. Nesses, as ações são mais fortes e coesas.
Vamos ao tema da matéria que tem como escopo de esclarecer os requisitos para a regularização fundiária. Nesse aspecto, para ser considerado beneficiário da regularização fundiária, o ocupante e o seu cônjuge ou companheiro deverão atender aos requisitos previstos no artigo 5º da Lei n.º 11.952, de 2009, ou seja, não sejam proprietários de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não tenham sido beneficiários de programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural; exerçam ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 22 de julho de 2008; pratiquem cultura efetiva; não exerçam cargo ou emprego público, no INCRA; na Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da República; na Secretaria de Patrimônio da União, ou nos órgãos estaduais de terras; não mantenham, em sua propriedade exploração de mão de obra em condição análoga à de escravo (art. 15, III, IN nº. 119/2022).
Em relação ao procedimento de regularização fundiária as ocupações incidentes em terras públicas rurais deverá ser precedida de Cadastramento das Ocupações e identificação ocupacional por município ou por gleba; pela elaboração de memorial descritivo dos perímetros das ocupações, com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica, com as coordenadas dos vértices definidores dos limites do imóvel rural, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro; e ainda pela formalização de processo administrativo, previamente à titulação, com os documentos e as peças técnicas.
Vale ressaltar que o Cadastramento será feito por meio de formulário de declaração preenchido e assinado pelo requerente, acompanhado de fotocópia de sua carteira de identidade e do Cadastro de Pessoas Físicas, e de outros documentos definidos pelo órgão competente. O Cadastramento das ocupações não implicará o reconhecimento de direito real sobre a área. As peças técnicas apresentadas pelo ocupante serão recebidas, analisadas e, caso atendam aos requisitos normativos, validadas. É importante observar que o profissional habilitado responsável pela elaboração do memorial descritivo de que trata o artigo 9º da Lei n.º 11.952, de 2009, será aquele credenciado junto ao INCRA para a execução de serviços de georreferenciamento de imóveis rurais.
Será admitida a regularização fundiária de requerente anteriormente beneficiado por programa de reforma agrária ou regularização fundiária, desde que não ocupe o lote originário, decorridos mais de quinze anos, da data da expedição de título de regularização fundiária, desde que o referido documento tenha sido emitido anteriormente a 22 de dezembro de 2016, observado o disposto no parágrafo único; da data da homologação do beneficiário no programa de reforma agrária; ou de outras situações definidas pelo órgão competente em regulamento específico.
O processo que originou a expedição do título anterior deverá ser apensado ao novo requerimento de regularização fundiária, situação em que será realizada a análise das cláusulas resolutivas.
A regularização fundiária de ocupações incidentes em terras públicas rurais com área superior a quatro módulos fiscais e até o limite de dois mil e quinhentos hectares será precedida de: declaração firmada pelo requerente e pelo seu cônjuge ou companheiro, sob as penas da lei, de que preencham os requisitos estabelecidos no artigo 8º; e elaboração de relatório de vistoria da ocupação, subscrita por profissional regularmente habilitado do Poder Executivo federal ou por outro profissional habilitado em razão de convênio, acordo ou instrumento congênere firmado com órgão ou entidade da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal. As informações constantes do relatório de vistoria poderão ser complementadas por documentos, técnicas de sensoriamento remoto e outros meios de prova.
As áreas ocupadas insuscetíveis de regularização por excederem os limites estabelecidos no § 1º do artigo 6º da Lei nº 11.952, de 2009, poderão ser objeto de titulação parcial até o limite de dois mil e quinhentos hectares. A titulação, nos termos do caput, será condicionada à desocupação da área excedente.
Além dessa norma, tem o seu Decreto n.º 10.592, de 24 de dezembro de 2020, que regulamentou a mesma, a Lei n.º 13.465/2017, que fez alteração na Lei nº 11.952/09, assim como o INCRA vem expedindo Instrução Normativa (IN), com o mesmo objeto da norma e do seu decreto, como: IN nº. 104, de 29 de janeiro de 2021, que fixa os procedimentos para regularização fundiária das ocupações incidentes em áreas rurais; alterada pela IN nº. 122, de 13 de junho de 2022 e pela IN nº. n. 119, de 23 de fevereiro de 2022.
A IN nº. 122, de 13 de junho de 2022, tem como objetivo disciplinar os procedimentos administrativos internos para a formalização de solicitação de assentimento prévio ao Conselho de Defesa Nacional, para a regularização fundiária de ocupações rurais e urbanas em terras INCRA, ou da União, sob gestão do Instituto, situadas na faixa de fronteira, conforme previsto no artigo 1º da Lei nº. 6.634/79, desta maneira, a Presidência do INCRA oficiará à Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional (SE/CDN) solicitando o assentimento prévio, anexando ao pedido a cópia atualizada da matrícula da gleba, dentre outros documentos.
Vale esclarecer que IN nº. 119/2022, trata da exclusão desse direito de regularização fundiária, de ocupante que conste do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, ademais, assim como dispensou o requerente, na etapa de entrega ou disponibilização em formato digital de documentação que se referem aos documentos pessoais de identificação do ocupante e do seu cônjuge ou companheiro; à cópia da planta e do memorial descritivo do imóvel georreferenciado e objeto do requerimento de regularização, elaborados por profissional habilitado e devidamente credenciado junto ao INCRA; e o comprovante de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Assim, com titularidade da terra, definida as condições para verificar os requisitos para a desapropriação para reforma agraria, ou a regularização nos termos da Lei n.º 13.465/2017 ficariam mais fácies e seria possível identificar com maior facilidade as áreas griladas, e as posses e ocupações legitimas. Lembrando que neste processo de regularização fundiária não estamos nos referindo a qualquer tipo de apropriação privada. O reconhecimento do direito de propriedade privada em terras públicas está vinculado a uma apropriação individual ou coletiva da terra, compatível com a função socioambiental, portanto abarcando além da posse civil, a posse agrária e a posse agroecológica.