A nossa Constituição Federal tem um Capítulo da Política Agrícola e Fundiária da Reforma Agrária (arts. 184 a 191), para estudo e direcionamento de suas principais políticas, buscando assim, uma maior valorização do homem do campo, bem como trás as linhas gerais de como deve se basear a Reforma Agrária, sempre na busca da democratização da terra e da dignidade humana.
Vale ressaltar, entretanto, que a Constituição brasileira atual apresenta-se inovadora no plano agrário, porém com linhas conservadoras devido à herança cultural privada do país. Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são disciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental, previsto no artigo 5º, XXII, da atual Constituição Federal.
O problema fundiário do país não é recente, ele remonta ao ano de 1530, com a criação das Capitanias Hereditárias e do Sistema de Sesmarias em que grandes glebas distribuídas pela Coroa portuguesa a quem se dispusesse a cultivá-las, em troca de uma parte da produção, fato que colaborou com o surgimento do latifúndio.
A Independência do Brasil, que ocorreu em 1822, agravou o quadro, na medida em que tornava inevitável a troca de donos das terras, é importante esclarecer que os conflitos não envolviam trabalhadores rurais em que a maioria eram escravos, mas os grandes proprietários. Somente em 1850 o Império colocou ordem no campo, editando a Lei nº. 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei das Terras).
A Lei nº. 601, de 1850, disciplinava as questões da terra e do trabalho rural, estabelecendo que as terras devolutas somente poderiam ser adquiridas por compra. A lei em tela, sem dúvida, constituiu-se num entrave ao crescimento da pequena propriedade destinada à agricultura para produção de alimentos, ao mesmo tempo em que favoreceu o grande proprietário rural, pois somente ele tinha recursos financeiros para efetuar a compra de grandes áreas, uma vez que o simples colono e o escravo não possuíam recursos financeiros para adquirir a terra.
Com o advento da República, em 1889, não houve alteração do perfil da distribuição de terras, visto que o poder político continuou nas mãos dos latifundiários, também chamados de coronéis. Apenas no final dos anos 50 e início dos anos 60, com a industrialização do país, é que a quadro fundiário começou a ser debatida e internalizada pela sociedade, que se urbanizava rapidamente e tinha que entender desse sistema de distribuição de terras públicas.
Contraditoriamente, logo no início do regime militar foi dado o primeiro passo para a realização da reforma agrária no país, com a elaboração do Estatuto da Terra – Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964 – e de outros Institutos que tinham por objetivo o desenvolvimento agrário e a reforma agrária.
Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor – eram os tempos do “milagre brasileiro”, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta velocidade, sem ter que democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado interno rural. O projeto de reforma agrária foi esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada e concentradora.
Somente em 1984, com a redemocratização, voltou à tona o tema da reforma agrária. De grande fomento foi sua vinculação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual imediatamente se incorporou o INCRA. Desde então, a reforma agrária tem recebido grandes estímulos, com dotações orçamentárias crescentes e importantes alterações legislativas, com a inclusão dos Estados e dos Municípios nesse processo, sem, entretanto, ter ferramenta de gestão efetiva e capital humano para celerizar processo de reforma agrária.
Na atual Constituição Federal, os dispositivos garantem o direito de propriedade, porém, este direito encontra-se abrandado, na medida em que a propriedade terá que atender a sua função social (art. 5º, XXIII), sob pena de o proprietário ficar sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária.
Além disso, a propriedade volta a ser incluída entre os princípios da ordem econômica, que têm por fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, III).
De acordo com Silva (2018), “o regime jurídico da terra fundamenta-se na doutrina da função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive”.
Por sua vez, a Constituição Federal, em seu artigo 186, para que a propriedade rural cumpra sua função social, ela tem que atender, simultaneamente, a cinco requisitos: i) aproveitamento racional e adequado; ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; iii) preservação do meio ambiente; iv) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e v) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Então, o princípio da função social da propriedade na zona rural corresponde à ideia, já recepcionada na doutrina jurídico-agrária, de correta utilização econômica da terra e sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar da coletividade, mediante o aumento da produtividade e da promoção da justiça social.
O artigo 184 da Constituição Federal determina que a sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de até 20 (vinte) anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a III, § 3º, do artigo 5º da Lei nº. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Entretanto, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (§ 1º).
O Decreto que declarar o imóvel rural como de interesse social, para efeito de reforma agrária, autoriza a União, que tem competência exclusiva a propor a ação de desapropriação (§ 2º). As operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária bem como a transferência ao beneficiário do programa, serão isentas (imunes) de impostos federais, estaduais e municipais (art. 26, Lei nº. 8.629/93; § 5º, do art. 184, da CF/88).
Para evitar o desvirtuamento dos objetivos da reforma agrária, o artigo 189 da Constituição Federal determina que “os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 anos”.
De acordo com o artigo 185, I e II, da Constituição Federal, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: a pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra (I); e a propriedade produtiva (II).
Vê-se que a Constituição Federal vigente é importante, visto que desmitificou-se a figura do latifúndio improdutivo, em que priorizou e assegurou direitos as pequenas propriedades e a propriedade produtiva, em que é possível a convivência harmônica entre o grande proprietário produtivo e as famílias de agricultores rurais, inversamente tem tratamento diferenciado grandes proprietários que detenham propriedade de centenas de milhares de hectares em grande parte improdutivos, que nessa situação se faz sentir a figura do Estado para fazer cumprir a função social da propriedade. Fica clarificado que a Reforma Agrária não faz distinção entre o grande proprietário e a família de agricultores rurais, ao contrário, estabelece segurança jurídica para ambos, desde de que cumpram finalidade econômica da terra.
Infelizmente mesmo o país possuindo um arcabouço jurídico pátrio constitucional da justa distribuição da terra, ainda persiste a ausência de regularização fundiária principalmente na Amazônia Legal em que as posses e ocupações legitimas e propriedade consolidada perpassa por calote fundiário devido ausência de estudos técnicos e de audiência pública para identificar ancianidade das diversas modalidades de destinação.
Mesmo em processos de distribuição de terras para reforma agrária, ainda persiste a ausência de regularização fundiária, principalmente em assentamentos rurais, que muitos não tem documento da terra para obter o licenciamento ambiental e créditos financeiros, sem olvidar que mostraram a insuficiência do distributivismo de terras e revelaram que ações de reforma agrária, para alcançar o objetivo de emancipar a família assentada numa condição de dignidade, exigem do Estado planejamento e orçamento. Muitas das experiências de assentamentos ao sabor dos improvisos governamentais, frequentemente sob a intensificação dos conflitos agrários, levaram ao mau uso dos recursos e à postergação dos problemas.