Nem todo caminho é definitivo e sempre há tempo de mudanças. Podemos voltar, seguir adiante, dobrar à direita ou à esquerda e até ficar parados.
Rareia a água doce potável, a guerra na Ucrânia abala a circulação de alimentos e de outras mercadorias e a distribuição de energia para as famílias e indústrias europeias, os casos de Covid-19 aumentam na China e estamos notando a renovação da velha disputa entre Esquerda e Direita, não apenas aqui, mas no mundo.
Os traços dessa polarização pareciam adormecidos, mas voltaram com força e, com eles, as várias nuances que carregam.
Em meio a tudo isso, cá estamos, com nossas questões domésticas e pressão de movimentos que tentam forçar-nos ao desmatamento zero, enquanto as suas economias levam ao corte de árvores centenárias e ao aumento na produção e consumo do poluente carvão. O Pré-Sal, que era promessa de salvação econômica nacional, ainda não deu os seus sinais às famílias e a produção agrícola é combatida por quem tem comida na mesa e a faculdade de escolher o que comer.
Há séculos vimos surgir os clamores por igualdade, liberdade e fraternidade, os teóricos da Revolução Francesa e, depois, pensamentos e teorias várias, como a socialista, a anarquista, a republicana, a comunista, a liberal e a neoliberal, bem como a globalização e, hoje, o globalismo e nuances mais.
Alheios a tudo, a grande maioria apenas segue adiante, marchando repetitivamente, sem o vigor inspirador das ideias e ideologias.
Resistir já foi a necessidade de sobrevivência para muitos povos e nações e os exemplos são fartos, como em Tróia, segundo a épica narrativa e, mais recentemente, na resistência francesa aos nazistas e na de italianos contra Mussolini, da qual, aliás, a canção “Bella Ciao” foi recentemente rememorada, no popular seriado A Casa de Papel.
As ideologias são fundamentais para que compreendamos contextos e condições complexas e os caminhos surgidos.
Não por outro motivo, há dias falamos que a inanição vencerá as ideologias e as ideias, por ser crível que a maior porção da humanidade pareça seguir, sem se importar muito com o significado das ações.
Por vezes, parecemos pastoreados, por outras aderimos a modismos e correntes atrativas e sedutoras. Nem sempre percebemos o jogo inteiro, determinada jogada, a quem servem os passos ou o que está por trás de peças movimentadas e de como os adversários do passado simplesmente se transformam nos aliados do presente. Com isso, que futuro nos espera?
Jogamos o jogo ou somos as peças que os jogadores movimentam? Somos o sistema de poder popular original ou meros peões e, assim, os primeiros a ser expostos e sacrificados, no jogo de xadrez global?
O nosso íntimo pensar, se categorizado, seria próprio dos democratas, liberais, estatizadores, republicanos ou monarquistas?
Criticamos as ditaduras de Stalin, Mao, Hitler e outros enquanto toleramos a conformação de um Estado que controle mídias, liberdade individual e censura de opiniões?
Não nos lembramos de que a construção dos regimes autoritários não é obra de um sonoro martelar da nova ordem, mas a silenciosa e contínua desconstrução de sólidos valores e pilares e a sua (nem sempre óbvia) substituição por ídolos de barro?
Notamos a monstruosa Hidra, com as suas várias cabeças, que se regeneram, conforme são cortadas? A mitologia nos dá sinais que a nossa soberba ignora…
Defendemos a livre manifestação, enquanto chamamos algumas de antidemocráticas? Acreditamos na Democracia, na liberdade e na igualdade para condenar os que pensam de modo diferente? Democraticamente respeitamos as opiniões divergentes ou agimos com o pré-conceito de que estamos certos e os outros, simplesmente, errados?
A experiência histórica nos ensina o paradoxo de que as ideias descoladas da realidade não produzem o resultado pretendido, levando a movimentos paradoxais, como demonstra a recente abertura da economia chinesa ao capitalismo que, antes, combatia.
Também surpreende perceber que países europeus, com tradição monárquica, pareçam soar mais republicanos do que repúblicas fundadas por aí.
Esse descolamento entre realidade e propósitos levou Joaquim Nabuco e Rui Barbosa a criticar a República aqui fundada, sob a ideia de que seguimos por esse caminho sem antes consolidar a efetiva defesa da coisa pública.
Nessa linha, estaria a depender do coronelismo, nas ações dos chefes políticos locais, que atuavam com apropriação privada sobre as áreas de sua influência política. Essa prática parece que não ficou no passado.
O compromisso com o coletivo e com os destinos da Nação estão na encruzilhada, que nos segue, apenas mudando de tempo e lugar.
Aquela ideia de “país do futuro” nos persegue como um karma pesado. Olhamos adiante, desejamos o futuro ideal, mas parece que teimamos em não estruturar as condições fundamentais para que isso ocorra.
A encruzilhada se afasta e se aproxima, mas está sempre lá.
Não somos brasileiros e donos dessa identidade apenas na Copa e em eventos afins. Somos uno e indivisíveis, em qualquer circunstância. A cisão dessa unidade não é útil à Nação e a nós. A política de dividir para enfraquecer é comum às práticas de guerra e de enfrentamento do inimigo. Nem todos os que, de fora, parecem apoiar causas, o fazem por apego e amor a nós e ao País. Muitos agem por interesses menores, embora sob fachada atraente.
Não aprendemos as lições e continuamos a ser empáticos e a dizer sim a tudo. Temos sido passivos, concordando com propostas outras em vez de trazer parceiros globais a rezar na nossa cartilha.
Enquanto o mundo se transforma e os ajustes se sucedem, permanecemos discutindo aspectos que não nos colocam em outro patamar, senão naquele que parece que nos deixam ficar.
Mudam governos, mudam locais, mudam pessoas, mas tudo segue, como dantes. A velha história de mudar tudo para nada mudar. De trás pra frente ou de frente pra trás é o mesmo jogo, o mesmo cenário e o mesmo roteiro.