E que somos nós senão alguns bilhões de formigas insignificantes diante do planetinha que habitamos, cujo diâmetro é de 12.742 quilômetros? Ou da estrela que nos aquece, cuja cintura mede um milhão e quatrocentos mil quilômetros? Um bilhão e quatrocentos milhões de metros? As diferenças não param de crescer na medida em que nos conscientizamos de que a Terra é um mero grão de poeira cósmica a girar infinitamente em torno de uma estrela de quinta grandeza, integrante de uma entre trilhões de galáxias no cosmo universal.
Quanta arrogância em cada um de nós, seres ainda mais minúsculos diante do espaço sideral do que micróbios e bactérias em comparação a este colosso biológico que é o corpo do ser humano hospedeiro, a achar-se grande em sua altura mediana de pouco mais do que um metro e setenta centímetros…
Na ordem natural, contudo, um homem de porte médio há de parecer ao olhar espantado de um corona vírus mais gigantesco do que a sumaúma ou a sequóia; ou do que a montanha, para assumir as dimensões que têm os corpos celestes em comparação ao ser humano. E pensar que este colosso que o homem pensa que é pode ter sua vida aniquilada por um vírus invisível a olho nu tal como este que, espalhado em todos os continentes, põe em alerta a população do globo!
Pobre mundo! Entre seus bilhões de habitantes há alguns, pouquíssimos que o sejam, embora, a quem multidões de formiguinhas conferiram uma enorme somatória de poder que faz deles seres potencialmente tão letais para a humanidade quanto o novo vírus o é para o indivíduo por ele infectado.
Fugir, para onde? Como escapar de tantas e tão variadas ameaças? Em vez de tentar uma convivência inteligente com a natureza, cujas forças tornam nossas fátuas habilidades tão escancaradamente impotentes, não cessamos de agredir o meio ambiente, intoxicando-o no ar e nas águas, extinguindo recursos naturais, matando a fauna e devastando a flora. Movidos pela ganância mais cruel na busca do enriquecimento passageiro, tornamo-nos indiferentes a tudo que se pôs de mais precioso na orbe. Somos, para Gaia e para nossa própria espécie, mais prejudiciais que os agentes infecciosos.
Dizia o poeta que estava indo embora para Pasárgada. Lá, achava ele que iria ter uma vida boa porque era amigo do rei. Doce sonho, não passa de poética ilusão. O rei estava acima de qualquer impeachment. Com o poder que lhe haviam dado quase certo que a esta altura dos acontecimentos o monarca já se teria deixado contaminar pela ânsia expansionista. Poder tem dessas coisas. Quanto mais empoderado, mais se quer ser, mais se quer ter, mais gula pelo mando, mais indiferença diante do infortúnio que as políticas possam causar.
Levado por uma tristeza imensa; acabrunhado pela minha absoluta impotência diante do quadro que se desenha mais nitidamente sombrio a cada dia que transcorre, pensei em pedir ao poeta que me ensinasse como chegar a Pasárgada. Não que quisesse ir para lá a fim de fazer amizade com o rei, nem com seus ministros, nem com nenhum dos poderosos. Para mim, bastaria a segurança e o conforto do anonimato. Escondidinho, poderia amar meus amores, ler meus livros, ver meus filmes, ouvir minhas músicas, escrever, quem sabe até cometer alguma poesia. Caí em mim: Pasárgada, não mais. O que nos resta é esse mundo – pobre mundo, tão lindo, tão colorido! – que eu e meu próximo estamos arrastando para um futuro calamitoso que vai chegar mais cedo do que se pensa se tudo o que se fizer não passar de proféticas lamentações ou de registros tristonhos que nem esse que acabo de produzir.
Deus pode até já ter renunciado à cidadania brasileira, mas continua sendo o grande pai da humanidade. O mal que o vírus provoca já fez uma multidão de vítimas, trazendo dor a famílias no mundo inteiro. Mas a clemência divina vem iluminando mentes, orientando talentos. O resultado tão esperado pode vir da Rússia, ou da China, ou dos Estados Unidos, ou da brasileira Fiocruz. Anuncia-se para breve – e tomara que este seja um muito breve! – a chegada da vacina contra a Covid-19. Remédios para combater o mal tornam-se mais eficientes. Com tudo isso somado, os bilhões de seres preparam-se para combater o vírus letal. Ao menos essa batalha há de ser ganha. E que a vitória logo se concretize para que possamos voltar a sorrir sem esconder o riso atrás de máscaras cirúrgicas, para que possamos abraçar e beijar nossos amados. Deus se aliará à ciência para que a humanidade possa cumprir a ordem divina de nos amarmos uns aos outros. Amém.
Rui Guilherme
Juiz de Direito e Escritor.