Lendo umas coisas da pós-graduação no meio da tarde outro dia, pensei que precisava parar pra tomar um cafezinho. Zero por falta de disposição, necessidade de energia ou sensação de sono. A questão é que o café aqui em casa passa por esse lugar de respiro, de pausa, de zelo, de encontro com a família. A gente adora café.
Sei que isso não se restringe só à minha família: existe o expresso depois do almoço, o café especial preparado pelos avós, a pausa pro café (e pra fofoca!) no escritório, o café da manhã com a amiga pra colocar o papo em dia, o café do fim de tarde pra colocar a cabeça no lugar, o cafezinho como cortesia na sala de espera de consultórios, o intervalo pro café no meio da aula pra poder voltar a concentrar…
Interessante pensar que o café é a segunda bebida mais consumida no mundo, ficando atrás apenas da água! O Brasil, hoje, é responsável por ⅓ da produção mundial de café, o que o torna o maior produtor e exportador de café do mundo!
Sabemos que o café não é originário daqui. Ele veio pra cá no século XVIII e, ao longo dos anos, existiram várias fases relacionadas ao plantio de café no Brasil… A indústria cafeeira, inclusive, dependia do trabalho escravo. Com a proibição da importação de escravos africanos, em 1850, e a abolição da escravatura, em 1888, os cafeicultores passaram a contar com mão de obra de imigrantes europeus.
Acho que toda essa história fala muito sobre o Brasil e sobre como a questão cultural do café é bem misturada com a história da nossa gente e do nosso país. A relação do brasileiro com o café é bem profunda, já que se mistura com questões maiores que a gente, com coisas que nem conseguimos expressar… Contudo, podemos dizer que o café simboliza momentos de convivência e de reflexão, sendo símbolo de afetividade, hospitalidade e um verdadeiro elo entre gerações… Ele foi se tornando parte da casa de praticamente todo brasileiro no decorrer do tempo.
Entendi, até aqui, que café é cultura e tenho pensado muito em como, muitas vezes, o café anda junto com um livro, uma pesquisa, um trabalho em andamento… Cafeterias, ao longo da história, foram pontos de encontros intelectuais. Paris, por exemplo, é uma cidade repleta de cafeterias que testemunharam momentos históricos. O Les Deux Magots, de 1885, o Le Precope, de 1600, o Le Café de Flore, de 1887, e o La Closerie des Lilas, de 1847, são alguns dos lugares que existem há séculos e que tiveram a presença constante de nomes como Picasso, Monet, Baudelaire, Albert Camus, Victor Hugo, Simone de Beauvoir, Sartre, André Breton…
Quando fui no Les Deux Magots, em 2019, lembro que me senti importante simplesmente porque, por aquelas esquinas, os impressionistas e grandes nomes da literatura mundial tinham se encontrado para planejar coisas das quais nós só ouviríamos muito tempo depois.
Muitas livrarias atualmente têm cafeterias, o que nos leva a pensar que o momento de leitura requer certo cuidado e aconchego e, pro brasileiro que ama um cafezinho, esse momento passa a ser ainda mais especial. Dentro e fora do país, tornou-se popular cafeterias com mesas ou bancadas com tomadas, para que as pessoas possam se sentar e trabalhar, enquanto consomem produtos do local.
A partir disso, vemos como o café está ligado ao prazer intelectual. Ele reflete uma tradição cultural que une pessoas, promove momentos de descanso e de encontros e estimula a troca de ideias, o pensar, o escrever, o ler… É prazeroso nos perdermos em uma boa história, em uma boa leitura, mas até o que não é tão prazeroso pode se tornar menos pior com uma xícara de café ao lado.
Contudo, vendo essa gourmetização do café, sendo vendido em caixas, cápsulas ou como suplemento, além da sofisticação das cafeterias, penso que o café precisa continuar sendo visto como algo maior do que isso, culturalmente falando.
Em viagens de carro, sempre tem a parada para tomar um cafezinho. É uma coisa tão natural pra maioria das pessoas que passam pelas estradas… Um trajeto que faço muito, pelo menos uma vez por ano, é sair de carro do Rio de Janeiro e ir para a Bahia, quase sempre pro interior, às vezes pro litoral. Nesses percursos, paramos de tempos em tempos em algum lugar para tomar um café. No Rio e em Minas, se pedimos um cafezinho numa cafeteria pela estrada, o açúcar vem separado e o cliente coloca se desejar. Na Bahia, o básico café coado é servido cheio de açúcar. É algo regional, não tem jeito… Isso mostra a complexidade da relação do brasileiro com o café.
O café tem uma história bastante complicada, marcada por um passado de exploração e escravidão. Depois, ele passou a estar inserido em outros contextos. Hoje, ele está associado à imagem de bem-estar, o que causa o surgimento de produtos como esses cafés gourmet, difundidos por influenciadores e blogueiras…
O café não é apenas uma bebida, mas uma marca cultural que revela muito sobre quem somos, de onde viemos e como nos relacionamos com o mundo e com as pessoas. Sua cultura, carregada de simbolismo e tradição, reflete diretamente nossa história.
Embora, hoje, muita gente associe o café a um produto sofisticado, o verdadeiro café, aquele feito em casa no coador de pano e servido em uma xícara simples, continua com o seu lugar garantido nas casas e nos corações. O brasileiro não precisa de marketing para consumir café, que é maior do que modismos passageiros.
Você é do time do café coado ou já entrou na onda dos cafés mais sofisticados? Eu prefiro o café coado fresquinho e sem açúcar: simples, mas com gosto de aconchego, de história, de tradição.
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