O cinema e a moda dialogam o tempo todo, porque a moda é uma das formas pelas quais podemos nos comunicar e, através das roupas, identificar características das pessoas e coisas relacionadas aos seus comportamentos. O cinema, desde que começou a existir, precisou da moda como ferramenta de comunicação.
Antes, existia o teatro, instituição milenar, que já usava figurinos, máscaras e ornamentos para diferenciar personagens, contar histórias e construir narrativas. Assim fizeram, também, as óperas e os ballets.
Lipovetsky diz que o vestuário atua na colocação e localização do sujeito dentro da nossa sociedade, que constantemente muda de valores. Ou seja: a roupa não é só uma linguagem que frequentemente transmite mensagens sobre quem a veste, mas também uma ferramenta que indica a qual lugar e tempo essa pessoa pertence.
O figurino funciona da mesma maneira para uma personagem: a roupa transmite, através dos signos que carrega, informações que nos faz entender em que época o filme se passa, qual é a principal característica da personagem e como ela irá se relacionar com as outras personagens e quais podem ser os seus comportamentos e valores.
O figurino é fundamental na construção da dramaturgia e passa pelas mãos de muitas pessoas para acontecer. Nasce a partir do roteiro, com a concepção das personagens, dialogando com o trabalho do ator e precisa, incansavelmente, do figurinista e de sua equipe para acontecer e entregar uma mensagem, contextualizada, encaixada em um recorte de espaço e de tempo.
Daniela Calanca, em História Social da Moda, afirma que historiadores acreditam que “o cinema é a mídia que mais impressionou o imaginário coletivo no início do século XX” e eu acredito que foi uma das indústrias que mais influenciou o consumo da população, por muito tempo.
Na década de 50, por exemplo, inúmeros filmes hollywoodianos apresentaram novas concepções de identidade, da família perfeita e o american way of life, que virou referência para muitos países ao redor do mundo, ao adolescente rebelde, que milhões de jovens buscaram imitar.
Nessa época, por conta de filmes como “O selvagem” e “Rebelde sem causa”, jovens adotaram um visual idêntico ao das personagens de Marlon Brando e James Dean, composto por jaqueta de couro, calça jeans e camisa branca. O cinema tem esse poder.
Diana Crane, em “A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas”, explica que isso aconteceu porque os jovens se identificavam com as principais personagens desses filmes, que mostram “as frustrações adolescentes com a vida da classe operária”, em meio ao ideal de vida vendido pelo consumismo americano.
Contudo, a influência do cinema na moda não parte só dessa identificação das pessoas com as personagens. Afinal, as produtoras não apenas desenvolveram suas empresas difundindo os filmes que produziram, mas também vendendo ideias e subjetividades… O cinema reflete a sociedade, mas a sociedade também reflete o que passa nas telas de cinema.
Antigamente, as mulheres eram reféns das revistas e dos filmes, para estar de acordo com as tendências da moda, da maquiagem e dos comportamentos de consumo da época. O cinema, portanto, era um lugar que as mulheres frequentavam com o objetivo de acompanhar os últimos lançamentos da moda, especialmente depois que marcas e designers de moda começaram a se unir a produtores e estrelas de cinema, para vestir as atrizes em suas personagens e, também, na vida real.
Daí, surgiram importantes parcerias, como a do estilista Hubert de Givenchy com a atriz Audrey Hepburn. Eu diria que foi uma das mais belas e duradouras parcerias entre o mundo da moda e o do cinema, já que Givenchy a vestiu para inúmeras de suas personagens e para muitos acontecimentos da sua vida pessoal.
Tem um momento icônico que marca tanto o cinema quanto a moda, estrelado por Audrey Hepburn, em que Holly Golightly, a eterna Bonequinha de Luxo (filme de 1961), imortaliza um visual de Givenchy. O vestido preto usado pela personagem no início do filme é, para muitos, considerado um dos itens mais emblemáticos da história da moda do século XX.
Hoje em dia, temos o cinema, as novelas, as séries de TV e dos streamings, vários programas surgindo ao mesmo tempo. Contudo, apesar da variedade de tipos para além da instituição “cinema”, o figurino existe com a mesma importância e carga social.
Outro dia, assistindo The White Lotus, fiquei observando o que cada roupa falava explícita e subjetivamente sobre cada personagem e sobre cada núcleo de personagem que aparece na série. É impressionante como as roupas comunicam tanto quanto as falas e os gestos… A gente realmente consegue saber muito sobre uma personagem a partir das vestimentas.
No Brasil, temos as novelas como um grande forte da televisão. Elas sempre desempenharam um papel crucial na disseminação da moda e de hábitos de comportamento e de consumo.
Coisas que as personagens populares das novelas usam, viram tendência. Pode ser roupa, esmalte, capinha de celular, gíria, corte de cabelo… Por exemplo, quem aí lembra do esmalte azul da personagem Clara, interpretada por Giovanna Antonelli, na novela “Em Família”? Ou dos cintos da delegada Helô, também interpretada por Giovanna Antonelli, em “Salve Jorge”? Ou das correntinhas de cintura da Suelen, interpretada por Isis Valverde, em “Avenida Brasil”?
Há 80, 40 ou 20 anos, em uma época sem redes sociais, o cinema talvez exercesse uma influência ainda mais direta no dia a dia dos espectadores. Hoje, com muitos lugares para onde podemos olhar, ele pode já não ser o principal influenciador, mas continua sendo uma poderosa forma de expressão e um espelho da sociedade.
Mesmo com todas as transformações tecnológicas, o figurino das personagens segue carregando significados, nos influenciando, ao mesmo tempo que nos reflete. Moda e cinema seguem entrelaçados com o nosso dia a dia. Continuamos influenciando e sendo influenciados, como sempre, mas agora de maneira mais generalizada por causa da ampla conectividade e multiplicidade das mídias que marcam a nossa vida e o nosso tempo.
Vestindo narrativas: um diálogo sobre a moda em cena
