O Ministério Público do Amapá (MP-AP) obteve na Justiça a condenação do Estado do Amapá, do Município de Santana e da Concessionária de Saneamento do Amapá SPE S.A. (CSA) à implementação de um sistema de abastecimento de água tratada na comunidade de Anauerapucu, localizada na zona rural de Santana. A sentença, proferida pela 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Santana, em 14 de julho, reconhece a omissão prolongada dos entes públicos e da concessionária que, mesmo cientes da ausência de água potável na localidade — o que inviabilizou até mesmo a inauguração de uma unidade básica de saúde —, deixaram de adotar providências efetivas para sanar o problema.
Segundo os autos, o caso teve origem em inquérito civil instaurado em 2016, após denúncias apresentadas em escuta social na Escola Estadual Francisco de Oliveira Filho. Vistorias técnicas do MP-AP confirmaram que a única fonte de água disponível para a UBS da comunidade provém da caixa d’água da unidade de ensino, de forma improvisada e sem tratamento adequado. Ao longo de quase uma década, o Ministério Público buscou solução extrajudicial, articulando reuniões com órgãos estaduais e municipais, inclusive propondo alternativas paliativas, como a perfuração de poço artesiano. Todas as tentativas foram infrutíferas.
Para o Judiciário, a prestação de serviços públicos essenciais, como o saneamento básico, é dever constitucional inafastável e não pode ser condicionada a critérios formais de concessão contratual. “Não se trata de escolha política ou conveniência administrativa, mas de obrigação jurídica imposta pela Constituição Federal”, afirmou a magistrada Eliana Nunes do Nascimento em sua decisão.
A sentença rejeita os argumentos de ilegitimidade apresentados pelos réus e reforça que o fornecimento de água potável é direito indisponível e coletivo, que deve ser garantido de forma contínua, segura e adequada, inclusive em áreas rurais. A sentença ainda destaca que “não há como se admitir que um posto de saúde funcione em condições precárias, sem acesso à água tratada, comprometendo a saúde da população”.
“Os réus foram condenados a apresentar, em até 60 dias após o trânsito em julgado, um cronograma físico-financeiro para o início das obras, que deverão começar em até oito meses. Em caso de descumprimento, foi fixada multa diária de R$ 5 mil, revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos”, explica a promotora de justiça Elissandra Toscano, titular da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, Conflitos Agrários Habitação e Urbanismo de Santana, responsável pela ação.
Na ACP, a promotora sustentou que “a ausência de água tratada, além de violar a dignidade humana, compromete diretamente o direito à saúde e à vida, exigindo resposta firme do sistema de justiça”. A decisão é passível de recurso, mas representa um passo decisivo rumo à concretização de um direito básico negado há anos à comunidade de Anauerapucu, afirma o MP-AP.
Elissandra Toscano ressalta que a comunidade precisa de atenção urgente. No primeiro semestre de 2025, desta vez em nova vistoria na Escola Municipal Raimundo Monteiro Baia, foi constatado que até o momento não há fornecimento de água potável. Essa inspeção ocorreu em atendimento à recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) durante ação do Projeto Sede de Aprender, para constatar e documentar eventuais irregularidades relacionadas à ausência de água potável, saneamento ou banheiros, em escolas classificadas em situação de risco pelo Censo Escolar 2024.