O padre Jorge Basile dizia que escrever era uma tarefa divina, cujo talento era uma concessão singular do Criador. Não há exagero na afirmação, afinal, quem se propõe a escrever se vale de suas crenças e valores para a jornada desafiadora da escrita. Henrik Ibsen afirmava que “viver é lutar contra os demônios do coração e do cérebro. Escrever é pronunciar sobre si o último julgamento”. O desenvolvimento de um texto, bom ou mau, exige uma pronúncia involuntária da alma, sem a qual é impossível concluir a tarefa. Não há nada mais algoz para o escritor do que uma dessintonia com a alma no momento da produção da escrita. A escrita é uma emanação que está além do mundo terreno, fora do mundo sensível, revelando-se como um fenômeno metafísico.
A divulgação do trabalho de quem se propõe a escrever é outra fase dura, de feição hercúlea, muitas vezes tangida pelo infortúnio do insucesso. Longe de ter o caráter metafísico da criação de quem escreve, a divulgação encontra solo nas operações mentais dos homens que se voltam para a utilidade prática da obra. Os encarregados da divulgação são orientados pela lógica do mercado que não se atenta exclusivamente pela eventual preciosidade do trabalho, mas, sim, pela aceitação pública. Aí, nesse processo, é que se erguem os muros de contenção tanto para as obras reputadas boas quanto para as ruins, num critério que avacalha com o bom senso de quem verdadeiramente entende da escrita.
Recordo-me do primeiro texto produzido para um jornal no final da década de 70. A distensão política do governo Geisel estimulava a produção de artigos engajados contra a ditadura. Surfei na onda, ainda adolescente. Procurei um jornal que tinha grande aceitação local e entreguei o artigo ao superintendente. Fui recebido com o sarcasmo das redações jornalísticas, recheado de elogios e com o compromisso da publicação. O jornal era semanal e a expectativa tomou conta de mim. No final da semana a publicação não saiu. Procurei o superintendente para saber a razão da não publicação do artigo. Ele, com o sarcasmo das redações, respondeu: – meu filho, seu artigo era muito bom, uma verdadeira poesia contra a ditatura, mas, como sou lírico, preferi guardá-la para mim. Essa é aventura de quem escreve.