Se for levado em consideração os períodos históricos do Brasil, temos: Regime Sesmarial (1500-1821), Regime de Posse (1821-1850), Regime da Lei de Terras (1850-1889), e o Período Republicano (1889 até os nossos dias).
Então vejam essa relação de documentos envolvendo esses períodos que existiram e ainda existem: A Carta de Sesmaria, Registro Paroquial ou Registro do Vigário, Registro Torrens, Título de Posse, Título de Legitimação, Título de Propriedade, Título Provisório, Título Definitivo, Título de Arrendamento, Título de Aforamento, Título de Ocupação, Título de Ocupação Colonial, Título Colonial, Título de Ocupação de Terras Devolutas, Licença de Ocupação, Autorização de Detenção, Doação pelo Poder Público com condições resolutivas, Contrato de Alienação de Terras Públicas, Bilhete de Localização, Título Precário de Doação Onerosa, Carta de Anuência, Autorização de Detenção de Bem Público, Certificado de Habilitação a Regularização Fundiária, Certificado de Ocupação de Terra Pública, Contrato de Concessão de Uso e Contratos de Concessão de Direito Real de Uso, são só alguns dos documentos utilizados.
Por essas e outras razões justifica a existência da frase que o Brasil perdeu a autonomia sobre seu território, e isso não é recente, visto que iniciou-se com a colonização empreendida pelos portugueses e com a intensificação do processo de privatização das terras públicas.
Em uma análise histórica vê-se que a regularização fundiária com a legalidade dos títulos de propriedade no Brasil não se alterou tendo em vista que a distribuição de terras públicas foram realizadas obedecendo a discricionariedade da coroa portuguesa, em que os títulos eram distribuídos de forma aleatória conforme a influência e o poder do senhor na região, hoje comandados pelos Estados que dão destino as terras conforme sua discricionariedade (conveniência e oportunidade), com normas elaboradas pelas casas de leis, nossos representantes, que governam em causa própria e no interesse da oligarquia fundiária nacional e estrangeira, em detrimentos dos humildes detentores das posses e ocupações legítimas e de propriedade consolidada.
Como pode um humilde agricultor familiar ou mesmo comunidades tradicionais da Amazônia Legal conseguir entender e contrapor com essa burocracia de documentos nos órgãos de terra, e ainda agora com maior dificuldade com sistema on line, com ferramentas de geoprocessamento e georreferenciamento, para evitar a perda de sua posse e ocupação legitima diante de um sistema de grilagem de terra orquestrada e com forte amparo institucional, com ar de legalidade?
Essa grande quantidade e diversidade de instrumentos jurídicos dão mostras de como, ao longo do tempo foi se processando a transferência das terras originariamente públicas ao patrimônio particular, com envolvimento direto de grupos políticos e dos poderes constituídos, incluindo judiciário, de órgãos de controle social, e de prestação de contas.
O fato é que muitos documentos foram designados e regulamentados, mas devido a desordem e a falta de centralização produziu-se uma debilidade na fiscalização e autenticidade dos títulos, com um agrupamento humano rural vivendo na invisibilidade proposital dos órgãos públicos diversos de terras, de meio ambiente, e de desenvolvimento rural.
Não se pode negar que grupos políticos e o Poder Público constituído tem conhecimento desta realidade há muitos anos e inclusive entende que a fragilidade da autenticidade dos títulos deixa a grilagem incidir fortemente sobre a terra pública, com novos institutos orquestrados na Amazônia Legal, como Calote Fundiário Público, com falso fito de uso sustentável/preservacionista, arrecadatório, e com a verdadeira intenção mercantilista.
Vale ressaltar, que em muitas oportunidades Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) foram instauradas para investigar a questão agrária apontando a grilagem como meio fraudulento de se apoderar das terras púbicas, em que por intermédio da grilagem, todos os tipos de fraude são aplicados, desde escrituras falsificadas, aparentando documentos antigos, até títulos definitivos de compra de terras devolutas, também falsos, em que fica evidenciado a falta de controle por parte dos entes públicos responsáveis tornando-se um grande negócio a grilagem de terras alicerçadas por política que favorece esse modo operante.
O processo da grilagem ocorre no caso de bititulação ou até mesmo trititulação ou múltiplas titulações, isto é, a concessão de títulos que, total ou parcialmente coincidem sobre a mesma área. Esses mecanismos são favorecidos por registros que não permitem a exata localização do imóvel, sem análise profunda das cadeias dominiais, e mesmo por decisão no judiciário.
É importante esclarecer que estes fatos têm diferentes origens dentre as quais a precariedade da especificação dos limites exatos, dos confinantes, das medidas e da localização geográfica dos títulos expedidos no passado e no presente, e nas injustificadas invisibilidades humana rural proposital do Estado para não reconhecer as posses e ocupações legitimas e a propriedade consolidada, com falso objeto arrecadatório, que tem por fito a mercantilização da terra com fins obscuros.
Estes registros vagos, sem as necessárias especificações de referências geográficas e geodésicas, por exemplo, em muitos casos na Amazônia Legal, são fundamentais para garantir a propriedade do ente privado, inclusive com alargamento dessas medidas que são constantemente alteradas sem necessidade de passar pelas casas de leis (Assembleia Legislativa e Congresso Nacional).
Todo esse processo é facilitado, visto que a extensão da área e a cobertura florestal dificulta a fiscalização e assim os múltiplos títulos são emitidos para resguardar uma mesma área, sem olvidar que há um amparado estatal com esse objetivo de apropriação e de expropriação, através da ausência de arrecadação e discriminação de terras públicas, e da ação intencional da permanência da invisibilidade humana rural nas terras públicas.
Esse fato se intensifica e é corroborado visto que a fraude foi historicamente facilitada por algumas brechas institucionais como, por exemplo, a inexistência de um Cadastro Territorial Único com interconexão com o Registro Cartorial, as constantes alterações das normativas do marco temporal, corroborada por ausência de governança da terra institucional com participação social, que seria de fácil solução se promovesse a arrecadação e discriminação de terras públicas, com auditória fundiária, nas terras públicas destinadas a reforma agrária, quanto aos beneficiários contemplados e os negócios ilícitos existentes nesses processos.
Além disso, os órgãos fundiários, nos três âmbito (federal, estadual e municipal), não são articulados entre si, claro que de forma proposital, para de forma discricionária, possam definir a clientela que será beneficiária dessas terras públicas, sempre não democrática.
Vale esclarecer, que ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil não existem registros especiais específicos para grandes áreas. Os dados dos cadastros federal e estaduais não estão cruzados e o cadastro federal, pela atual legislação, é declaratório; sendo, de certa forma, difícil a sua confirmação oficial.
Diante desse quadro nefasto e proposital relatado, fica configurado que todos estes fatos violam o disposto pelo artigo 176, § 1º, II, da Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registro Público) que inclui entre os requisitos da matrícula: “a identificação do imóvel feita mediante a indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural” (BRASIL. Lei nº. 6.015/73).
Para corroborar com análise em tela, cita-se segundo os dados das investigações do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, materializado no Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil e divulgado em 1999, em estimativa conservadora, cerca de 100 milhões de hectares teriam fortes indícios de grilagem de terra, sem uma participação política e dos poderes constituídos jamais se chegaria a esse montante de terras públicas griladas.
A própria CPI da Grilagem (2002) dobrou esses dados estatísticos e argumentou que haviam, no mínimo, 200 milhões de hectares grilados.
Em 2005, o então presidente do INCRA Rolf Hockback confirmou que ao menos 200 milhões de hectares de terras brasileiras estavam concentrados por latifundiários-grileiros (OLIVEIRA, 2020).
Oliveira (2020, p.158), analisando os dados do Cadastro do INCRA, vai além e ressalta que, em 2003, a área ocupada por terras públicas devolutas era superior a 400 milhões de hectares, e que mais de 300 milhões de hectares seriam incontestavelmente propriedades privadas griladas. Enfatiza-se ainda que mais de 200 milhões de hectares dessas terras não estavam sequer cadastradas pelo órgão.
Na Região Norte, os números são preocupantes: da área total do Estado do Amazonas, de 157 milhões de hectares, suspeita-se que nada menos que 55 milhões tenham sido grilados, o que corresponde a três vezes o território do Paraná.
A maior preocupação em relação as novas normativas de Regularização Fundiária dizem respeito a transformar áreas griladas em legais, com constante alteração do marco temporal. De diferentes maneiras se titula de maneira fraudulenta meras posses de terras concedidas pela União ou pelos Estados, com área limitada a 2.500 hectares, em grandes latifúndios.
A fraude ocorre em muitos casos através do que se convencionou chamar de “laranjas” uma mesma pessoa consegue ser proprietária de milhões de hectares de terras, que são fracionados e vendidos a dezenas de incautos de boa fé. As investigações policiais não conseguem muitas vezes identificar o criminoso escondido por trás da fraude, em que há forte ação e participação institucional.
Nesse contexto, a regularização fundiária emerge como uma possibilidade de assegurar a cidadania ao ensejar uma série de ações que tem o escopo de proteger as posses e as ocupações legitimas dessas famílias de agricultores e de comunidades tradicionais, além da promoção da qualidade de vida e da segurança jurídica em relação à propriedade, algo impossível de alcançar quando os Estados não tem interesse em tratar da invisibilidade fundiária humana existentes, fato comprovado nas imensidões de Unidades de Conservação de uso sustentável e de proteção integral; terras quilombolas, assentamentos rurais, terras indígenas, que foram implantadas sem observância quanto a necessidade de estudos técnicos, de audiência pública, com cadastro territorial ocupacional, para identificar ancianidade.
A partir de 2006, através da Lei nº. 11.284, tem sido implantados modelos de florestas públicas estaduais e nacionais para concessão florestal onerosa (Flona e Flota), em que não há o levantamento das ocupações e das posses legitimas (invisibilidade ocupacional proposital), configurando calote fundiário público com fito mercantilistas, com ar de arrecadação para os cofres públicos, em que atividades ditas ilícitas/proibitivas nesses modelos de uso sustentável são permitidas, como por exemplo, pesquisa e exploração mineral, em que esses homens e mulheres rurais tivessem seus direitos resguardados, e hoje são obrigados a conviverem com essas concessões florestais onerosas e com mineradoras operando dentro dessas áreas.
Por último, para evitar a aquisição de terras griladas devido essa desordem proposital fundiária na Amazônia Legal, e também evitar possíveis processos administrativos e judiciais de organização criminosa e de grileiros, é necessário estar atento a toda documentação do imóvel, principalmente fazendo uma verificação minuciosa de toda a documentação das áreas ofertadas, com observância de toda a cadeia sucessória dos imóveis junto aos Cartórios de Registro de Imóveis e os órgãos de terras, refazendo a cadeia dominial desde o proprietário atual até o título que deu origem ao imóvel, bem como se não há sobreposições com modelos de uso sustentável, de proteção integral, de terras indígenas, terras quilombolas, e de assentamentos rurais.
Quando se tratar de posses e ocupações na Amazônia Legal, tem que ser mais criterioso ainda, devido essa invisibilidade humana rural proposital existentes, consultando os órgãos públicos fundiários, ambientais, de controle social, de prestação de contas, de assistência técnica rural, de programas governamentais assistenciais dos entes públicos, do Tribunal regional Eleitoral (TRE), da pastoral da terra, para comprovação da legitimidade da origem dos imóveis, com olhar dos marcos temporais, sem olvidar da necessidade de consultar a regularidade dos proprietários dentro do âmbito cível, fiscal e criminal.