Portanto, vê-se, que inúmeros conflitos alicerçaram a evolução histórica e conceitual da posse e da própria propriedade do imóvel rural no Brasil, sem que houvessem mecanismos elucidativo para equacionar e dar segurança jurídica para o homem do campo que cumpre a função social da propriedade com direito legítimo das posses e com respeito ao marco temporal.
Há e continua existindo uma invisibilidade fundiária para as Posses no país, que precisa de um olhar de igualdade e oportunidade de acesso à terra, em condições de plena equidade, dando ênfase à ideia de justiça social.
De acordo com Mattos Neto (2018) “A Posse agrária é o exercício direto, contínuo, racional e pacífico de atividades agrárias desempenhadas em gleba de terra rural capaz de dar condições suficientes e necessárias ao seu uso econômico, gerando ao possuidor um poder jurídico de natureza real definitiva com amplas repercussões no Direito, tendo em vista o seu progresso e bem-estar econômico e social”. Desta maneira, essa conceituação, deixa claro que na Posse Agrária é necessária para que o verdadeiro posseiro esteja realmente na terra, usufruindo o que ela dá ou o que nela se pode plantar e produzir, com a execução da função social da propriedade.
Para o Direito Agrário, a posse é elemento fundamental no que diz respeito ao acesso à terra e, ao mesmo tempo, legitimador da propriedade. É por intermédio da Posse Agrária, relação direta com o imóvel rural, que a função social da propriedade se expressa (art. 186 da CRFB/88).
No Brasil, há três cenários distintos para a posse, sendo a Posse Civil, a Posse Agrária e a Posse Agroecológica. Na Posse Civil existe a possibilidade de a posse ser indireta, isto é, por interposta pessoa, pelo alicerce jurídico estampado nos artigo 1.196 e 1.228, § 1º do Código Civil/2002; enquanto a Posse Agrária se fulcra na função social da propriedade para exigir ainda que a posse seja legítima e que haja detenção física do imóvel, cultura efetiva e morada habitual do seu possuidor e sua família; enquanto a Posse Agroecológica, se caracteriza por ser coletiva, com concepção de desenvolvimento sustentável, para otimizar o máximo a terra, com base no agroextrativismo familiar, comum na Amazônia Legal, em que o Estado garante essa proteção com criação de modelos de uso sustentável.
Após essa distinção, o escopo se voltará para a Posse Agrária, que tem seu fundamento jurídico no artigo 2, 11, 24 e 102, do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64), vejam-se os dispositivos: “Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei; […] “Art. 11. […] e com autoridade para reconhecer as posses legítimas manifestadas através de cultura efetiva e morada habitual, bem como para incorporar ao patrimônio público as terras devolutas federais ilegalmente ocupadas e as que se encontrarem desocupadas; Art. 24. As terras desapropriadas para os fins da Reforma Agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, respeitada a ocupação de terras devolutas federais manifestada em cultura efetiva e moradia habitual; […] Art. 102. Os direitos dos legítimos possuidores de terras devolutas federais estão condicionados ao implemento dos requisitos absolutamente indispensáveis da cultura efetiva e da morada habitual.
Vale esclarecer, que tais requisitos vêm desde a Lei n.º 601/1850, que prescrevia em seu artigo 5º: “Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes”.
É importante salientar que o Estatuto da Terra (Lei nº. 4.504/1964) não conceituou explicitamente a Posse Agrária, mas também exigiu cultura efetiva e morada habitual, definindo posseiro no seu artigo 98: “Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar por 10 (dez) anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, tornando-o produtivo por seu trabalho, e tendo nele sua morada, trecho de terra com área caracterizada como suficiente para, por seu cultivo direto pelo lavrador e sua família, garantir-lhes a subsistência, o progresso social e econômico, nas dimensões fixadas por esta Lei, para o módulo de propriedade, adquirir-lhe-á o domínio, mediante sentença declaratória devidamente transcrita”.
Isto porque a Posse Agrária guarda contornos bem diferenciados daqueles que marcam a posse civilista, pois leva como princípio básico, fundamental, indissociável, o da função social da propriedade. Tal princípio visa atender, preponderantemente, a justiça social.
É importante ressaltar que a Posse Agrária exige sujeito capaz (pessoa física ou jurídica), que efetivamente tenha condições de desenvolver a atividade agrária, que se manifesta sob diversas formas, principalmente a de produção da terra. Assim, a simples manutenção de uma ou algumas benfeitorias, numa forma estática, ou de atos meramente conservatórios da coisa, não chegam a caracterizar a atividade agrária. Mais distante da caracterização da Posse Agrária fica a situação fática de manter a terra inerte, baseada apenas no domínio, numa espécie de intenção de possuir.
A Posse Agrária apresenta como principais características o exercício de atividades agrárias sobre o imóvel rural e é sempre direta, pessoal e imediata, portanto, não admitindo posse indireta, como por exemplo arrendamento, como ocorre com a Posse Civil.
A Constituição Federal, trás dispositivos específicos quanto ao aspecto da função social da propriedade, como: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, […] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […] XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; […] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existências dignas, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios […] III – função social da propriedade; […] Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. […] Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Como se vê, a Posse Agrária se difere da Posse Civil e da Posse Agroecológica pela inserção de novos elementos em sua composição conceitual. Enquanto no Direito Civil a posse exige apenas a aparência de proprietário; a Posse Agrária exige, por força do princípio fundamental da função social da terra, a detenção física do imóvel, cultura efetiva e morada habitual do possuidor e de sua família; e a Posse Agroecológica caracteriza-se pela sustentabilidade e o bom manejo entre a produção agrária e a preservação do meio ambiente que são maneiras de posses coletivas por comunidades tradicionais.
Essas concepções de posse são importantes para quando houver necessidade de ações administrativas e judiciais para provar suas vertentes conceituais de posse, como próprias e impróprias. Desta maneira, o reconhecimento das terras com posses se constitui também em condição para a consolidação de um modelo democrático e participativo de distribuição e gestão da terra, dos recursos naturais e de proteção do meio ambiente.
Para concluir é importante esclarecer que os julgados quanto a Posse Agrária, a Posse Civil, e a posse agroecológica, priorizou entendimento que as varas agrárias devem limitar-se a decisões concernentes à Posse Agrária e não simplesmente a Posse Civil, já que está se baseia em documentos de domínio, enquanto que a Posse Agrária, decide-se em função do tempo de ocupação das benfeitorias realizadas nas terras e sobretudo na função social da propriedade rural. No direito Agrário é necessário que a posse esteja fundada no binômio cultura efetiva e morada permanente do possuidor, com a efetiva exploração direta e pessoa do imóvel rural, e que portanto, a Posse Agrária é pessoal e imediata, não admite posse indireta, como na Posse Civil; enquanto a Posse Agroecológica sempre se caracteriza por posse coletiva, em que essas comunidades tradicionais mantêm um vínculo com a terra e os recursos naturais, mantendo sempre seu ciclo biológico.