Prêmio Camões 2024 (Portugal), Prêmio Machado de Assis 2024 (Academia Brasileira de Letras) são, ambos, da gentil senhora de 88 anos, Adélia Prado.
Os cabelos brancos, o sorriso franco, a mente incessante, percurso de viajora itinerante a transpor os limites das coisas, dos objetos, dos fatos, dos atos.
Transposição feita através da sensibilidade contagiante, assinalando sem rubor ou subterfúgios o “eu poético” como fator dominante para abrir e fechar janelas.
Compôs com seus traços dedilhados em páginas repletas de palavras conhecidas, palavras vizinhas, palavras amigas e palavras palatáveis o registro do sabor da vida dos viventes resumidos em seu viver presumido.
Assim, com presteza, como se fora uma arquiteta fotógrafa do cotidiano, cujas lentes e maquetes são a sensibilidade, gravou entalhes do ordinário em narrativas que parecem simples, no entanto, revelam cascatas de reflexões cristalinas.
A poesia, o olhar poético, o sentir poético, o mergulho na poética dos dias, dos rios e caminhos, dos elevadores e escadas são fatores que nos salvam da mediocridade de viver sem sentido. É o que sua obra poética nos ensina.
A poesia faz germinar em nossas mentes e corações initerruptamente flores de sempre-viva, não importa quão seco ou alagado seja o terreno cultivado. Nesse caso, só para referendar, ouso transmigrar para um dos trechos da poetisa premiada que mais me sensibiliza:
“Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.” (Adélia Prado)