Vale ressaltar, que a distribuição dos assentamentos entre os Estados na Amazônia Legal é de 3.518 assentamentos identificados, em que o Estado do Pará detém a maior número (32%), seguido por Maranhão (23%), e Mato Grosso (16%). Os demais assentamentos (29%) estão distribuídos nos outros Estados da Amazônia Legal (INCRA, 2020).
Desta forma, a manutenção dessa imensa área na Amazônia Legal, que vem sendo realizada pelos assentados, é de grande importância para manutenção dos recursos naturais, visto que representa um inestimável serviço ambiental por eles ofertado, contudo, não é tarefa fácil pelos agricultores familiares assentados.
Os agricultores familiares nesses assentamentos rurais enfrentam inúmeros entraves para permanecerem em suas terras de forma digna e produtiva e, consequentemente, utilizá-las sem destruírem suas florestas, sem olvidar do assédio em suas terras por outros produtores, empresários, e de grupos políticos locais, para retirada principalmente de madeira.
Em virtude dessa situação, é necessário política pública para a permanência dessas famílias de agricultores nesses assentamentos rurais, e para que isso aconteça perpassa pela lógica de que áreas florestadas em assentamentos só serão incorporadas a um sistema produtivo e, assim conservadas, se for dada aos assentados a chance de cultivar a terra já desmatada de forma rentável e promissora, enquanto exploram os recursos de forma sustentável.
Para tanto, é necessário que tenham acesso a políticas públicas que forneçam segurança fundiária, assistência técnica e extensão rural, linhas de créditos adequadas à sua realidade, regularização fundiária, e obtenção do licenciamento ambiental, para que possam fazer a produção sustentável, e não sucumbir diante da fragilidade e vulnerabilidade estatal.
Ainda, será importante que sejam ofertados aos assentados infraestrutura mínima para o escoamento da produção e os meios que viabilizem a comercialização de produtos. Por fim, é fundamental que sejam reconhecidos e compensados pelo serviço que prestam ao manterem suas florestas em pé, por meio de pagamentos de serviços ambientais.
Convém lembrar que os pequenos agricultores familiares assentados da reforma agrária, ainda praticam uma agricultura baseada no sistema de “corte e queima” da vegetação nativa, em que na maioria dos casos, seguem assim pela baixa qualidade ou a falta dos serviços de assistência técnica e extensão rural que recebem ou pela ausência de uma infraestrutura minimamente decente para o escoamento da produção. Soma-se a estes fatores, a ausência de regularização fundiária e ambiental que lhes dê segurança de permanência na terra e as dificuldades para o acesso ao crédito rural capaz de permitir a mudança no modelo de produção, e de fixação no homem no campo, evitando êxodo rural, e a negociação do lote no prazo de carência, com contrato de gaveta.
Caso contrário, vai perpetuar o resultado deste modelo histórico de ocupação da região que tem sido o avanço do desmatamento e o posterior abandono das áreas já desmatadas, a reconcentração de terras e, em especial, a continuação de uma agricultura de baixa rentabilidade com perdas dos recursos naturais.
É indiscutível que a grande maioria dos assentamentos foram implantada sem que os investimentos básicos com transporte, energia, serviços sociais básicos, fossem realizados. Além disso, a dinâmica social de ocupação de terras públicas e os conflitos fundiários provocaram, e ainda provocam, uma situação na qual muitos assentamentos vão sendo criados desconsiderando a aptidão agrícola do solo ou em sobreposição a áreas já ocupadas e consolidadas, em unidades de conservação, posse e ocupações legítimas e de propriedade. A produção, portanto, continua dependente da derrubada da floresta, seguida de queima, ainda utilizada como ferramenta de cultivo agrícola primitivo.
No contexto das políticas públicas ambientais, esses resultados apontam a necessidade de desenvolver ações específicas e inovadoras condizentes com a realidade dos assentamentos rurais localizados na Amazônia Legal que, diferente dos projetos pensados para outras regiões do país, cujo objetivo era apropriação da terra e a expansão da cultura agrícola, foram criados com o propósito de prover moradia e a produção sustentável às famílias que não possuem condições econômicas para adquirir uma propriedade.
Diante dessa lógica, as áreas de assentamentos rurais se tornaram um dos principais elementos do mundo rural na Amazônia Legal, esses números, no entanto, seriam mais expressivos se cada lote correspondesse de fato a um estabelecimento agrícola, através da regularização fundiária e consequentemente segurança jurídica.
Na realidade, é de conhecimento de todos, que existem processos de concentração fundiária em várias áreas do INCRA e dos Institutos de Terras nos Estados, bem como abandono e descontrole de lotes, dificuldade de ocupar todos os lotes criados nos assentamentos rurais.
Vale ressaltar, que esses assentados da reforma agrária são particularmente vulneráveis a práticas extorsivas de fraudadores e de grileiros que buscam a apropriação ilegal de lotes da reforma agrária. Isso porque parte dos assentados da reforma agrária sofre de graves faltas de infraestruturas básicas, serviços públicos, bem como de apoio do Estado para viabilizar o desenvolvimento do assentamento, situação que insere essas famílias em condições vulneráveis e suscetíveis à venda ilegal de lotes a particulares não elegíveis para a reforma agrária, e sem controle estatal.
Aproveitando essa fragilidade, os grileiros podem explorar a situação de vulnerabilidade desses assentados ao pressioná-los e ameaçá-los para abandonar, ceder ou vender os seus lotes, a preços inferiores aos do mercado. Além das práticas de extorsão, esses esquemas de grilagem incluem frequentemente o uso de laranjas para esconder os verdadeiros grileiros e facilitar as fraudes nos assentamentos rurais.
Esse processo de apropriação ilícita foi identificado na operação do MPF “Terra Prometida”, em que a situação dos lotes invadidos ou comprados ilegalmente teria sido subsequentemente regularizada por servidores corruptos do INCRA, que inseriram documentos falsos, como cartas de desistência, nos sistemas de controle.
Constam no processo Terra Prometida que esses funcionários públicos também efetuaram vistorias fictícias para comprovar a ocupação efetiva de laranjas enquanto, na prática, os fazendeiros da organização criminosa se aproveitavam dessas terras para reconcentrar as parcelas destinadas à reforma agrária. De acordo com o Ministério Público, apenas 10% das parcelas do assentamento estavam ocupadas regularmente por causa desse esquema de corrupção.
Além de fazendeiros envolvidos, teriam sido envolvidos nesse esquema, que incidiria sobre cerca de mil lotes e cujas fraudes alcançariam R$ 1 bilhão, o MPF também investigou e identificou a participação de políticos locais.
Muitas vezes, a compra ilegal de lotes é efetuada por proprietários de grande porte, levando à reconcentração das terras, em que pese a Lei n.º 13.465/2017 tenha determinado o limite de 4 módulos fiscais possíveis de serem regularizados em assentamento, em um levantamento efetuado pelo IPAM (2016), tais práticas de grilagem e de reconcentração das terras também foram identificadas como uma das características mais comuns nos assentamentos com maiores taxas de desmatamento.
Nas áreas onde a presença do Estado é mais frágil, politizada, com indicação política para esses órgãos de terra da União e do Estado, a proteção dos direitos de comunidades tradicionais que ocupam esses assentamentos rurais, assim como dos direitos de propriedade é baixa, pois, além das dificuldades de acesso, os órgãos de fiscalização e de policiamento sofrem com a escassez de recursos humanos e financeiros, é importante a presença dos órgãos de controle social e de poder de polícia. Vale esclarecer que cabe ao poder público retomar as terras públicas ocupadas ilegalmente em que essas ocupações não atendem os requisitos exigíveis para assentamentos rurais da reforma agrária, sem olvidar que é necessário dar agilidade à regularização fundiária para clarificar a ocupação do território nesses assentamentos rurais e aumentar a segurança jurídica dos direitos dos assentados.
No Estado do Amapá e de Roraima, que são Estados em transição de transferências de terras da União, é necessária uma Auditória para levantar dentro dos assentamentos rurais federais e estaduais o quantitativo de lotes existentes, as ocupações, para verificar se esses assentados tem o perfil para enquadramento da reforma agrária, principalmente pela fragilidade desses órgãos de terra, em que não tem esse quantitativo de assentados em seus sistemas de transparência.
Posto isso, é necessário Transparência, Integridade e Governança da Terra que são essenciais nesse processo, e que deve envolver órgãos públicos, sociedade civil e o setor privado, quanto as ocupações dessas terras públicas destinadas a assentamentos rurais, principalmente quanto aos critérios de destinação e o perfil exigido desses assentados para a reforma agrária.
Apesar disso, é fato notório que, de uma forma geral, há morosidade da União, através do INCRA e pelos Institutos de Terras Estaduais, quanto a regularização de terras dos assentamentos nos Estados da Amazônia Legal, entre outros motivos, em razão do déficit de pessoal e orçamentário para esse desiderato. Além disso, entendo que a conjuntura normativa referente à transferência de dominialidade de terras federais ao Estado do Amapá e Roraima, inicialmente, desfavoreceu a tramitação dos processos em andamento, na medida em que gerou dúvidas quanto à competência para efetuar ou dar prosseguimento às regularizações de terras nos assentamentos.
As Leis nº 11.952/09 e 13.465/17, e o Decreto nº 6.992/09 dispõem sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras da União situadas na Amazônia Legal. A existência de um arcabouço normativo é importante, mas não é capaz de conferir a efetiva proteção almejada, nem de pacificar as relações sociais.
É inconteste, a regularização fundiária é extremamente importante por seu caráter social e, também, por proporcionar segurança jurídica aos assentados, sobretudo aos legítimos possuidores do lote da reforma agrária, quanto as ilegítimos deste processo tem que perder essas ocupações, principalmente quando originário de fraudes, grilagens e apropriação ilícita, daí a justificativa para a importância de uma Auditória Fundiária nos assentamentos rurais nesses dois Estados (Amapá e Roraima).
Nesse contexto, é importante enfatizar o dever do atual titular do domínio dessas terras de empregar mais esforços na realização, de forma célere, da regularização fundiária nos assentamentos federais e estaduais, a fim de efetivamente garantir aos legítimos possuidores assentados da reforma agrária, o direito a obtenção do título de propriedade. O fato é que o Poder Público não pode se furtar de realizar a regularização fundiária nos assentamentos rurais e, em sendo o caso, a outorgar títulos de propriedade àqueles que comprovarem ocupação legítima do lote outorgado pelos órgãos de terra.