Usadas para descrever a intenção do constituinte e do legislador, a vontade dos contratantes, as emoções, os medos, as angústias e as esperanças… são as palavras os instrumentos de descrição da realidade.
Em certos momentos a argumentação se esgota ante o império dos fatos: C`est la réalité des faits – como se diz em França.
A Brodway está fechada há 18 meses, simbolizando que o teatro da vida está entre o moribundo e o pleno restabelecimento.
Enquanto isso, caducou em 30 de outubro de 2020 a Lei 14.010, feita para viger “no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)”!
Nesse rumo, a CPI recém instaurada no Parlamento apura fatos e culpados pelas centenas de milhares de trágicas mortes e contaminações enquanto a própria Casa não fez uma nova lei prorrogando aquela que deveria viger “no período da pandemia do coronavírus” ou prevendo outras situações excepcionais, para defesa do povo e da Nação.
Alheio a tudo, o Parlamento dá andamento a projetos de lei que deveriam ser antecedidos de ampla discussão e não ser de modo algum votados às pressas nesse tempo de anormalidade social, como os que pretendem mudar a lei que rege a venda de terras a estrangeiros (PL 2963/19) e a política agrária e a regularização fundiária (PL 510/2021).
Este último ainda inclui um tipo de “anistia” sem esse nome, ao eleger a data da edição do Código Florestal (2012) como o marco temporal das ocupação (assim, “regularizando” ou, com outras palavras, “anistiando” todo o irregular passado), além de ampliar áreas regularizáveis para imensos 2.500 hectares cada e confiar absolutamente na autodeclaração do ocupante (que também poderá ser o grileiro) para dispensar a vistoria prévia da área.
Não há infalibilidade na atividade legislativa e há normas desconectadas da realidade que deveria regular. Nesse rumo, seja por falta de sanções adequadas, por absorver institutos estrangeiros assistemáticos ao regramento nacional, por contrariar o texto constitucional ou criar dispositivos aparentando reformulações, gera má percepção na sociedade e questionamentos judiciais variados.
Ademais, por resistência a se cumprir voluntariamente o texto legal é que o “cumpra-se” acaba vindo do Judiciário.
A regularização fundiária é um objetivo necessário – e somos a seu favor. Contudo, a urgência na tramitação daqueles projetos de lei não se justificam, até pelo fato de que nem tudo é regularizável e anistiar a grilagem e os atos ilegais praticados por grileiros significa não punir quem descumpriu a lei, quem desmatou ilegalmente, quem corrompeu o Estado de Direito, quem praticou crimes, quem não agiu a favor do Brasil e dos brasileiros.
Anistiar retrataria a impotência do Brasil para cuidar da cancerosa Grilagem que, enquanto não estirpada, atrapalha essa potência que é o agronegócio e os verdadeiros e vocacionados produtores rurais – orgulho nacional.
Noutro foco, “anistiar” para dar um “ar de normalidade” não encerrará as críticas internacionais ao desmatamento e o anunciado hipotético boicote a produtos relacionados ao dano ambiental.
Se o próprio Parlamento não é rígido na exigência de cumprimento das leis que editou no passado, somos levados a invocar o grande sociólogo Gilberto Freyre, que já indagava “quando é que as leis de proibição portuguesas e brasileiras foram escritas para ser cumpridas à risca?”
A “anistia” não incentiva ou premia os que cumpriram a lei. Ao contrário, é como se estes fossem punidos por as ter cumprido e premiados fossem os que andaram à sua margem. Algo de bom daí não pode sair e isso é mau exemplo para o povo brasileiro.
Por isso, em livro já escrevemos sobre estas e tantas graves nuances da Grilagem e seus nefastos efeitos para a Soberania nacional, já que subtrai da República e do povo a destinação das suas terras e a política fundiária, dando espaço para que o Grileiro e outros influenciem os destinos da Nação.
É como se esse Brasil paralelo dobrasse o Poder democraticamente eleito, o princípio Republicano, a Soberania Nacional, a segurança nacional, as políticas públicas e os partidos políticos.
Além disso, a própria Soberania popular é atingida, como exemplifica a resposta da população à consulta feita no site do Senado Federal, com mais de 6 mil votos contra a mudança na lei de venda de terras a estrangeiros e apenas cerca de 100 a favor. Isso nos leva a indagar: se não era para se considerar o resultado da consulta, por que se a fez?
A regularização deve ser feita e com rapidez, para os casos que a mereça. Isso levará paz ao campo e conforto e estabilidade jurídica para as famílias, com reflexos na produção de riqueza e geração de renda e empregos. Todavia, se tratada no atacado, como num “toque de mágica”, fatalmente beneficiaria quem jamais poderia ser premiado por invasão de terra pública e danos ambientais.
China, EUA, Rússia e Inglaterra tem diferentes sistemas de organização político-administrativa e cada governo pratica a governança do país, com autoridade e legitimidade, enquanto aqui há historicamente o “jeitinho brasileiro” que tende a acomodar situações que decerto não colaboram para o desenvolvimento e o fortalecimento das nossas potencialidades.
O agronegócio é a atividade de maior destaque no Setor Primário e responsável por cerca de 27% do PIB, tendo potencial para aumentar a sua participação e avançar em relevância sobre os Setores Secundário e Terciário. As atividades de Compliance e de Due Diligence Agrário estão em alta e podem muito colaborar para isso, ao lado dos órgãos e agentes públicos vocacionados para tal fim, juntos obrando na construção da correta aplicação das regras que formam o Sistema Jurídico Nacional.
O que sofremos não ocorre por falta de leis, mas do seu rigoroso cumprimento. Sem isso, nada se resolve. É como o doente que recebe os remédios prescritos pelo médico mas não os usa no modo adequado.
Novas sanções aos que descumprirem as normas poderiam ser mais úteis à Nação do que uma nova lei “anistiadora” que só aumentará o problema, mantendo o “doente” mais dependente da doença” e de “novos milagrosos remédios”.