Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeira Soares Foffano se posicionaram na tarde desta quarta-feira (9/4) se defendendo das acusações de terem debochado de uma paciente transplantada de 26 anos, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de USP, chamada Vitória Chaves da Silva.
Segundo o posicionamento, assinado por ambas as estudantes, e a equipe de advogados, o conteúdo divulgado no TikTok “teve como única intenção expressar surpresa diante de um caso clínico mencionando no ambiente de estágio”.
As alunas dizem que a raridade da situação despertou a “curiosidade acadêmica” e as fez refletir sobre aspectos técnicos inéditos para as estudantes.
O comunicado ainda afirma que Gabrielli e Thaís não tiveram acesso ao prontuário da paciente. “Não sabíamos quem era”. Além disso, contou que não foram divulgadas nenhuma imagem de Vitória.
A dupla de estudantes nega ter havido “qualquer deboche ou insensibilidade”. “Nosso compromisso com a vida, a dignidade humana e os princípios éticos da medicina permanece inabalável”
Por fim, as investigadas manifestaram solidariedade à família de Vitória e afirmou estar tomando as providências para esclarecer o caso e preservar a “integridade pessoal, acadêmica e emocional”.
Ao Metrópoles, Thaís afirmou que a exposição do caso está sendo muito dolorosa e alegou que os fatos estão sendo distorcidos. “Como fica a saúde mental de uma estudante que é vítima do ódio disseminado pela mídia?”.
Investigação do caso
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o caso é investigado como injúria por meio de inquérito policial instaurado pelo 14° Distrito Policial (Pinheiros). “A mãe da vítima foi ouvida e as diligências seguem visando o devido esclarecimento dos fatos, bem como a responsabilização dos envolvidos”, informou a pasta.
Caso sejam condenadas, Gabrielli e Thaís podem ser detidas por um a seis meses, ou pagar multa. A pena pode ser agravada para até um ano, caso seja constatada alguma violência acompanhando o crime.
Gabrielli e Thaís são investigadas após um vídeo gravado pelas duas ter viralizado no TikTok. O material chegou à mãe de Vitória, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves. Na gravação, apesar de não falaram o nome da paciente, as estudantes mencionam os três transplantes cardíacos e indicam quando os procedimento foram feitos — na infância, na adolescência e no início da maioridade, informações que coincidem com o caso de Vitória.
A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso de Vitória e enviar uma mensagem de texto à família da amiga. A repercussão do caso fez com que o vídeo fosse tirado do ar nessa terça-feira (8/4).“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas… Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirma Thaís no vídeo.
Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes”.
Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.” É nesse momento que Thaís afirma que a paciente “acha que tem sete vidas”.
Vitória morreu nove dias depois do vídeo, devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.
Família contesta declarações
Cláudia, mãe de Vitória, contestou as declarações das estudantes. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, de que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.
“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na promotoria de a gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou a uma consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.
Após o episódio, a mãe registrou um boletim de ocorrência e acionou o Ministério Público de São Paulo (MPSP).
O que dizem as instituições.
Em nota encaminhada à reportagem, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.
Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.
“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.
As faculdades onde Gabrielli e Thaís estudam, Anhembi Morumbi e Faseh respectivamente, emitiram uma nota em conjunto nesta quarta-feira (9/4). O posicionamento diz que o acontecido não condiz com os princípios e valores das instituições de ensino, “tampouco com o compromisso de uma formação médica, ética e humanizada “.
As unidades lamentaram o ocorrido e se solidarizaram com a família de Vitoria, morta nove dias após a publicação do vídeo por parte das estudantes.
Ambas as instituições afirmam terem adotado, “com máxima urgência”, as medidas cabíveis para apurar o caso, seguindo o regimento interno. O Metrópoles questionou se as estudantes continuam matriculadas nas respectivas faculdades, porém não obteve retorno até o momento desta publicação. Espaço segue aberto.
Fonte: Metrópoles