Vivemos uma era de transição paradigmática. A hermenêutica — enquanto arte e ciência da interpretação — nos convida a repensar os sentidos da infância, da tecnologia, das crenças e das práticas culturais sob novas lentes. Diante do impacto avassalador da revolução digital, urge compreender a criança não apenas como um ser em desenvolvimento, mas como um agente simbólico que habita, simultaneamente, os mundos físico e virtual.
A criança em um mundo digital
Nunca houve uma geração tão conectada quanto a atual. Desde os primeiros meses de vida, crianças já interagem com telas, plataformas digitais e conteúdo multimídia. Este dado não pode ser ignorado. A infância passou a coexistir com algoritmos e inteligências artificiais que, direta ou indiretamente, moldam comportamentos, preferências e formas de se relacionar com o mundo. A máquina faz uma leitura de seus interesses, leitura mecânica, diga-se de passagem, visto que é um robô e, zapt! Bombardeio de mais conteúdos daquele mesmo teor!
Mas essa hiper conexão, por vezes, esvazia a vivência orgânica da infância — aquela feita de chão de terra, do cheiro da chuva, do toque das mãos e do silêncio interior. O digital não pode substituir o enraizamento afetivo, a escuta atenta dos adultos, a contemplação da natureza e a experiência do tédio criativo.
Hermenêutica da infância: decodificando o ser em formação
Sob a ótica hermenêutica, é preciso interpretar a criança não como um objeto de intervenção pedagógica, mas como um sujeito de sentido. Cada gesto, cada pergunta, cada silêncio infantil carrega a linguagem de um mundo em formação, e esse mundo exige um olhar cuidadoso — mais do que dados, teorias e métodos. Exige presença.
A infância não pode ser comprimida entre o conteúdo escolar e os vídeos do YouTube. É preciso resgatar o brincar livre, a convivência comunitária, o convívio com os avós, a experiência do sagrado e a formação ética.
Orgânico e digital: dualidade ou integração?
Não se trata de negar o digital, mas de integrá-lo de maneira crítica e ética. Uma criança que vive de forma orgânica no mundo digital é aquela que sabe usar a tecnologia sem ser usada por ela. Que entende que os “likes” não definem seu valor, que aprende a meditar, a cultivar plantas, a cozinhar com os pais, a olhar nos olhos — e também a programar, a pesquisar, a criar com responsabilidade.
O caminho é o equilíbrio entre as raízes e as redes. Entre o passado que nos sustenta e o futuro que nos desafia. Porém, fácil não é, haja vista que os adultos que rodeiam a criança estão muitas vezes viciados nas mídias e telas digitais.
A revolução invisível dos costumes e valores
Por trás das transformações visíveis — como os avanços tecnológicos, a globalização e a fluidez dos papéis sociais —, opera-se uma revolução invisível. Os costumes mudam sutilmente. As famílias se reconfiguram. As religiões se redimensionam. A espiritualidade ressurge como busca de sentido em meio ao caos informacional.
Valores como empatia, cooperação, escuta ativa, autenticidade e cuidado do planeta emergem como respostas urgentes a um modelo de sociedade que já demonstra sinais de esgotamento. O que antes era dogma torna-se convite ao diálogo. O que antes era imposição religiosa, hoje é caminho de autoconhecimento.
Estamos criando o futuro — agora, no presente. E isso se faz principalmente no campo invisível das atitudes cotidianas, da escuta às crianças, da educação afetiva, da reconciliação entre tradição e inovação.
Conclusão: O futuro começa no agora
A verdadeira revolução não virá de uma nova tecnologia, nem de um salvador ideológico, mas da maneira como educamos, acolhemos e interpretamos a criança de hoje.
Quando olhamos para a infância com olhos hermenêuticos — isto é, atentos ao significado profundo de cada ato — percebemos que o futuro é semeado nas pequenas escolhas do presente: no modo como falamos com nossos filhos, no tempo que dedicamos a eles, na espiritualidade que encarnamos em gestos, em atos e não apenas em palavras.
É no invisível que germina o novo. E, se quisermos um amanhã mais humano, mais justo e mais sagrado, precisamos cuidar agora das sementes que lançamos no coração das crianças.
E temos tempo? Sim, temos tempo, o tempo de agora!
A Criança, o Mundo Digital e a Revolução Invisível dos Valores: Uma Hermenêutica dos Novos Paradigmas
Professora, historiadora, coach practitioner em PNL, neuropsicopedagoga
clínica e institucional, especialista em gestão pública.

