Casas de Morte
A história da medicina é também a história do medo da morte — e da luta constante para transformá-la em vida. Muito antes dos hospitais modernos, os primeiros registros de práticas médicas organizadas datam do Antigo Egito, onde sacerdotes acumulavam conhecimentos sobre ervas, cirurgias rudimentares e diagnósticos inscritos em papiros como o famoso Papiro de Ebers. Os egípcios acreditavam que a doença era causada por forças sobrenaturais, mas já realizavam operações de grande precisão para a época.
Na Grécia Antiga, surge uma figura essencial: Hipócrates de Cós (460 a.C. – 370 a.C.), considerado o “Pai da Medicina”. Ele rompe com a ideia de que a doença era apenas castigo divino e inaugura uma abordagem racional e observacional do corpo humano. Seu legado, o Corpus Hippocraticum, ensinava que a cura dependia de dieta, ambiente e equilíbrio dos humores corporais — uma noção primitiva, mas revolucionária para o tempo. Mais que técnicas, Hipócrates deixou um código ético: “Primum non nocere” — antes de tudo, não causar dano.
Em Roma, Galeno de Pérgamo (129–216 d.C.) aprofundou os estudos anatômicos, dissecando animais para entender a fisiologia humana. Galeno dominou a medicina europeia por séculos, ainda que muitos de seus conceitos estivessem errados. Após a queda de Roma, a medicina europeia mergulhou na penumbra medieval, mantendo-se presa a dogmas religiosos e especulações filosóficas, enquanto no mundo islâmico surgiam médicos brilhantes como Avicena, que traduziu e aperfeiçoou saberes gregos, indianos e persas.
Na Europa do século XVII, a medicina começa a se reorganizar como ciência. Dissecções, observações empíricas e o surgimento dos primeiros hospitais estruturados trouxeram esperança — mas também terror. Sem microscópios, ninguém imaginava o mundo invisível das bactérias e dos vírus. Cirurgias eram feitas em condições insalubres, médicos e enfermeiros usavam os mesmos aventais encharcados de sangue o dia inteiro, e os hospitais tornaram-se sinônimo de morte. Era preferível adoecer em casa a enfrentar o fedor dos corredores onde gangrenas, febres e infecções cruzavam de leito em leito.
Somente com Ignaz Semmelweis, Joseph Lister e Louis Pasteur, já no século XIX, o paradigma mudou: nasceu a teoria germinal das doenças, a antissepsia, a esterilização. A partir daí, as “casas de morte” começaram a se tornar “casas de cura”.
Hoje, vivemos uma era em que hospitais contam com tecnologias que Hipócrates jamais sonharia: transplantes de órgãos, cirurgias robóticas, exames de imagem que veem o interior do corpo em tempo real. Mas as verdadeiras casas de morte persistem fora dessas paredes: nos becos sem saneamento básico, nas casas onde falta água limpa, onde a higiene pessoal é negligenciada e onde cada um deposita a própria saúde nas mãos dos profissionais como se a medicina fosse um milagre de última hora.
O simples filtro de barro, a fervura de águas de consumo, já reduzem drasticamente os vetores de doenças que começam simples e vão se tornando em verdadeiras epidemias. Portanto, doente e doença tem um estreitamente importante.
Hipócrates já dizia: “É mais importante saber que tipo de pessoa tem uma doença do que saber que tipo de doença a pessoa tem”. A saúde é responsabilidade individual e coletiva. Começa em casa, com água limpa, alimentação equilibrada, prevenção, exames de rotina. É preciso que cada lar seja uma casa de vida, não uma espera por milagres hospitalares.
No fim, a maior revolução não é o bisturi robótico, mas a consciência de que a cura é construída todo dia, quando cuidamos de nós mesmos e do ambiente em que vivemos. Somente assim, deixaremos de frequentar casas de morte, para habitar plenamente casas de vida.
CASAS DE MORTE

Professora, historiadora, coach practitioner em PNL, neuropsicopedagoga
clínica e institucional, especialista em gestão pública.