Desde os primeiros agrupamentos de hominídeos em torno do fogo, o ser humano revelou uma necessidade vital: conviver. Foi a convivência — ora pacífica, ora conflituosa — que nos garantiu a sobrevivência. Nas tribos primitivas, o laço social baseava-se na partilha da caça, na defesa do território e na crença comum em forças invisíveis que regiam a natureza. O “nós” era a medida da existência. O “eu”, ainda tímido, surgiria com o tempo — e com ele, as primeiras rachaduras no tecido coletivo.
Com o Neolítico, o homem fixou-se à terra. Vieram a agricultura, a domesticação dos animais e o início das trocas comerciais. Nascia o senso de posse, e junto dele, o embrião das desigualdades. O que antes era caçado e dividido passou a ser plantado, colhido e guardado — nem sempre em partes iguais. A escrita, a maior das revoluções cognitivas, consolidou a memória dos povos, mas também registrou o poder dos que mandavam e o silêncio dos que obedeciam.
Na Grécia antiga, o conceito de sociedade floresceu sob o nome de polis. A democracia, ainda que restrita a poucos, anunciava a noção de cidadania e debate público. Já nas civilizações judaicas, cristãs e islâmicas, a vida social ganhou um sentido teocrático: o homem passou a viver sob a promessa do divino, buscando conciliar fé e lei, corpo e espírito. A moral tornou-se norteadora das relações, mas também instrumento de controle.
Séculos adiante, as cidades cresceram, os impérios ruíram e as revoluções — industrial, científica e digital — moldaram novas formas de convivência. No entanto, algo parece não ter evoluído na mesma medida: a consciência moral e afetiva do ser humano. Hoje, vivemos em uma sociedade líquida, como definiu Bauman — conectada em tempo real, mas emocionalmente rarefeita. Multiplicam-se as telas, os algoritmos e as redes, mas escasseiam os vínculos, a escuta e o olhar genuíno.
Nunca fomos tão informados e, paradoxalmente, tão desumanos. O conhecimento expandiu-se, o cognicismo floresceu, mas o humanismo definha. As filosofias antigas — estóicas, sofitas, cínicas, teológicas — tentam ainda dar respostas às dores contemporâneas, mas esbarram nas duas chagas que atravessam os séculos: orgulho e egoísmo.
Desde as cavernas até os arranha-céus, o homem parece correr em círculos, perseguindo a própria sombra. O progresso material não eliminou as sombras espirituais; apenas as sofisticou.
Vivemos o paradoxo do tempo: criamos máquinas que aprendem sozinhas, mas ainda tropeçamos em sentimentos primitivos. A tecnologia nos aproxima e, ao mesmo tempo, nos isola. A história, então, parece cíclica — um grande espelho onde vemos refletido o mesmo drama de sempre: o da criatura que deseja ser deus, mas não aprendeu a ser humana.
E a pergunta que ecoa é inevitável: para onde iremos, se continuarmos assim?
Orgulhosos e egoístas — desde as cavernas até os prédios de alto luxo —, seguimos tentando misturar matéria e espírito, como quem tenta unir água e óleo. Talvez o próximo salto evolutivo não dependa de mais uma revolução tecnológica, mas da revolução silenciosa de um coração que aprenda, finalmente, a sentir o outro.
Um homem simples, do século I da Era Cristã chamado Simão Pedro deu sua resposta a seu Mestre: ao serem os primeiros discípulos de Jesus, indagados se queriam ir embora, deixa-lo como os demais daquele sociedade que achavam duras as palavras do Mestre de Nazaré, Simão respondeu: “para onde iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna”( Jo 6,68), Chiara Lubich, uma Mística da Igreja Católica deu sua respostas em meio aos bombardeios na Itália durante a segunda grande guerra: “ Escolhi Deus Amor, o Cristo Crucificado e Abandonado será meu Esposo e por Ele viverei”, Francisco de Assis deu sua resposta rompendo com a sociedade aristocrática de seu tempo e identificando a Natureza como irmãos seus: fauna, flora, o divino na pobreza, Tereza de Calcutá respondeu também essa pergunta, encontrando no atendimento aos miseráveis da Índia seu sentido de viver sua experiência social humana e muitos seguiram esses homens e mulheres de fé inabalável, de negação de si mesmos, de afastamento do orgulho e do egoísmo.
Mas a pergunta continua atravessando os séculos: para onde iremos se continuarmos orgulhosos e egoístas?

