Neste mês de junho, a Lei Complementar nº 150/2015 completa uma década de vigência. Mais do que um número redondo, a data marca um dos avanços mais significativos na luta por igualdade e dignidade nas relações de trabalho no Brasil. Fruto de décadas de mobilização social e política, essa norma consolidou uma série de direitos trabalhistas para milhões de trabalhadores e, sobretudo, trabalhadoras domésticas , categoria que, por muito tempo, foi excluída do amparo legal pleno garantido a outros profissionais.
Antes da LC 150, ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha sido um passo inicial ao reconhecer o vínculo trabalhista doméstico, muitos direitos eram ausentes ou vagos, o que dificultava tanto a fiscalização quanto o exercício da cidadania trabalhista. A Emenda Constitucional nº 72, promulgada em 2013, foi o ponto de partida para essa transformação, ampliando o rol de direitos e exigindo regulamentação. Essa regulamentação chegou dois anos depois, com a sanção da LC 150/2015.
Com ela, foi formalmente garantida a jornada máxima de 44 horas semanais, o pagamento de horas extras, a obrigatoriedade de descanso semanal remunerado, o direito a adicional noturno, ao FGTS compulsório e ao seguro-desemprego em caso de demissão sem justa causa. Além disso, instituiu o “Simples Doméstico”, um sistema unificado que permite o recolhimento de encargos de forma simplificada por parte do empregador, reduzindo a burocracia e incentivando a formalização.
Mas mais do que conferir direitos, a lei teve um valor simbólico inestimável: a afirmação de que o trabalho realizado dentro do lar historicamente associado a mulheres, em especial mulheres negras deve ser tratado com o mesmo respeito jurídico e social que qualquer outro. Foi um gesto de reparação histórica e de reconhecimento da contribuição essencial desses profissionais para o funcionamento das famílias brasileiras.
No entanto, embora os avanços sejam inegáveis, o caminho ainda é longo. Segundo dados do IBGE, apesar do aumento da formalização nos primeiros anos após a lei, o número de contratos formais vem enfrentando uma estagnação e até queda nos últimos anos, impulsionado por crises econômicas, instabilidade política e, mais recentemente, pelos efeitos da pandemia. A informalidade ainda domina o setor, com milhões de trabalhadores sem acesso à previdência, a férias, ao 13º salário ou mesmo a um contrato por escrito.
É necessário que o Estado fortaleça os mecanismos de fiscalização e que a sociedade se engaje na transformação cultural que essa legislação propõe. Valorizar o trabalho doméstico é valorizar a dignidade humana. É reconhecer que não existe desenvolvimento justo quando se tolera a precarização de atividades essenciais ao cuidado, à infância, à velhice e à organização básica da vida cotidiana.
A LC 150/2015 é uma conquista, mas não um ponto final. Dez anos depois, ela continua sendo um marco civilizatório não só pelo que já garantiu, mas pelo que ainda exige de todos nós: empatia, compromisso e ação concreta pela igualdade de direitos.
Dez anos da Lei do contrato de trabalho dos domésticos: um marco civilizatório ainda em construção
