No último dia do ano, é muito comum acordarmos à espera da virada do ano e com vários sonhos (desejos) em mente. Alguns sonham em ganhar o prêmio da mega sena (aqueles que jogam) outros traçam metas de mudanças em várias áreas da vida e há aquela que esperam e acham que essas mudanças virão juntamente com o nascer do novo ano.
Eu, como de costume, acordei, tomei um bom banho e fui me arrumar. Ao chegar em frente ao espelho, me deparei com a imagem de um sábio, o qual me olhava e acompanhava os meus movimentos simultaneamente. Apesar de achar aquela situação estranha, percebi que ele queria falar comigo. Confesso que fiquei hipnotizado com a situação. Parecia que eu estava em outro lugar.
A partir daí, tentamos uma aproximação e a pessoa até me tratou com educação, respondeu algumas perguntas, mas notei aquele ar de receio, e pensei:
- “O que será que ele quer? Eu nem o conheço!”.
Parece que passa todo tipo de desconfiança na cabeça da pessoa, o que não a impede de querer respostas, mas eu poderia encerrar o assunto ali mesmo, excluindo, assim, qualquer chance de levar o assunto para frente.
Não dá, quando um não quer, dois não conversam! Mas não era o nosso caso.
Ele foi logo me perguntando: - O que pensas para este novo ano? Quais as suas metas? O que farás de diferente? Antes que me digas alguma coisa, pense, pois é dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre. (Percebi que ele lera Drumond)
Confesso que eu queria falar algo, mas fiquei emudecido. Então ele continuou: – Desde criança, aprendemos a rivalizar, a competir e ser sempre o vencedor e a não aceitar a derrota. Aprendemos a suspeitar de tudo e de todos e com isso, nos enchemos de medo e passamos a viver em um mundo aprisionador, no qual nos libertar, torna-se uma prioridade. Saiba que liberdade não é um sonho, mas uma realidade que está a nos esperar atrás dos muros que construímos.
-Posso continuar? Perguntou- me aquela imagem educada.
-Sim, pode.
-Sair da realidade e adentrar o mundo dos sonhos, fantasias, pode, para muitos, ser uma boa opção de viver a vida, uma anestesia para as dores do dia a dia, porém esta não é a chave que abrirá as portas desse mundo aprisionador, essa opção te enraizará cada vez mais nesse solo infértil.
Não viva a vida achando que você é bom e as pessoas más, ou que você seja má e as pessoas boas. Que as sogras e as madrastas são pessoas ruins e que os outros sempre te desejarão o mal. Há mulheres amorosas que cuidam, amam e impulsionam filhos e filhas, mesmo que não tendo saído de seu próprio ventre e sim do seu coração.
Não viva aquele conto onde só existem príncipes e princesas estando você fora do palácio dormindo ao relento como um simples coitado sem força suficiente para salvar a si mesmo e sair em seu próprio cavalo para ir ao encontro do que, verdadeiramente, sua alma precisa.
Não viva no conto onde as pessoas se sintam inseguras e cheias de inveja da beleza e juventude alheia, pois com o passar dos anos, aprenderemos a encontrar o nosso lugar, beleza, força e sabedoria no interior de nosso próprio interior.
Não queira a vida onde só haja espaço para o que é perfeito, pois você, com certeza, não caberá nele. Queira uma vida real e não um conto de fadas. Uma vida onde as pessoas encontrem paz com as outras, onde a unidade, irmandade, compreensão sejam um lugar para cada um habitado em sua alma.
Compreenda que viver é ser livre… Que ter amigos é necessário… Que lutar é manter-se vivo… Aprenda que o tempo cura… Que mágoa passa… Que hoje é reflexo de ontem… compreenda que podemos chorar sem derramar lágrimas… Que os verdadeiros amigos permanecem… Que dor fortalece… Que vencer engrandece…
Aprenda que sonhar não é fantasiar… Que pra sorrir tem que fazer alguém sorrir… Que a beleza não está no que vemos, e sim no que sentimos… Que o valor está na força da conquista… compreenda que as palavras têm força… Que o olhar não mente… Que viver é uma arte, é um ofício.
Aprenda que tudo depende da vontade… Que o melhor é ser você mesmo… Que está vivo é diferente de viver. “Todas as manhãs deixe os sonhos na cama, acorde e ponha sua roupa de viver”.
Muitos dizem: A minha vida é um livro aberto. Essa é uma grande inverdade, pois ninguém tem a sua vida como um livro aberto, pois na sociedade atual é mais fácil desnudar o corpo do que a alma. Olhem que eu quis dizer muitas coisas sobre mim para ele, mas o medo de me desnudar foi maior que o desejo de uma conversa aberta.
Contudo, não podemos também nos abrir por completo logo de cara, os perigos existem, mas também não se feche por completo. Seja maleável, forme sua própria opinião, ao invés de viver das já formadas. O mundo muda, as pessoas mudam, e isso tem de acontecer também com nossas opiniões sobre a vida.
Olhei, com um certo espanto, para o espelho encarando aquele ser sábio que me falara todas essas coisas parecendo que me conhecia muito bem. Comecei a dar risada de mim mesmo, assim como ele também.
-Ora! Por que estás a rir de mim? Perguntei a ele.
Percebi que a mesma pergunta saía de dentro do espelho para mim. - Mas que loucura é essa? Eu falando comigo mesmo, ou seja, com o meu próprio Eu e não percebi? Falei para mim mesmo.
Que coisa engraçada e estranha, existe um Eu aqui dentro que parece nos conhecer bem e saber de tudo que é melhor para nós. Uma voz que salta de nosso silêncio e barulha todo o nosso consciente. Como fosse uma versão alternativa de mim que aparece apenas quando começo a indagar sobre minha própria existência ou quando meus dedos batem nas teclas fazendo palavras emergirem na página.
Espelho, espelho meu. Há alguém que me conhece mais do que o meu próprio Eu?