Com a maior satisfação tenho a consciência de que participei com Raul Alfonsín, a quem sempre reverencio, da exclusão do Brasil e da América do Sul da corrida nuclear mundial, a mais fatal de todas as corridas, enquanto existir na face da Terra uma arma nuclear.
A declaração mais séria que presenciamos nessa desbragada guerra de palavras a que estamos assistindo foi para mim a declaração do ex-presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, porta-voz do Sr. Putin para declarações dessa natureza, ameaçando os EUA com o arsenal nuclear russo. Por sua vez, o sempre irreverente Trump desloca dois submarinos nucleares, portadores de bombas atômicas, para posição estratégica em direção ao seu inimigo nuclear. Ambos devem saber que tal confronto é impossível porque seria não só o desaparecimento deles como de grande parte do mundo. Nós sabemos que essas potências — Rússia e USA — possuíam Estados Maiores que não deixariam esses irresponsáveis fazer coisas como essa de deflagrar um confronto, mas a situação interna dos dois países hoje saiu das mãos dos militares e depende apenas da vontade dos dois presidentes. Assim, o que nos preocupa é que essa retórica está indo num crescendo que pode fugir do controle.
Essa troca de ameaças, por coincidência, ocorre quando o mundo relembra, neste 6 agosto, o 80º Aniversário da Tragédia de Hiroshima, em que morreram 140 mil pessoas e outras tantas sobreviventes foram atingidas pela radiação, dando sinal do que ocorrerá com a humanidade quando forem lançadas as oito mil bombas que estão armazenadas pelas duas potências adversárias. A de Hiroshima era uma bomba pequena e a primeira do mundo. Calculemos o que serão as atuais de hidrogênio e com capacidade de destruição incalculáveis!
Lembremos o episódio dos foguetes russos em Cuba, ao tempo de Kennedy, em outubro de 1962. Estivemos à beira de um confronto. Os americanos não poderiam aceitar a ameaça de armas atômicas russas a 90 milhas do seu território. Então, depois de longa negociação, os russos retiraram essas armas e em compensação os EUA ficaram obrigados a não invadir Cuba, o que respeitam até hoje, e sofreram a pregação cubana da Revolução, mobilizando movimentos populares e outras manifestações. Mas o acordo foi assinado por Kruschev e Kennedy.
Agora tenho que relatar mais uma vez que Brasil e Argentina e toda a América do Sul somos a única região da Terra fora da corrida nuclear, que já vimos estar sendo ampliada, com a Coreia do Norte, com outro dirigente fora da curva, Kim Jong-Un; o Paquistão e a Índia, e, por último — depois de cancelar o acordo internacional de supervisão nuclear —, a incursão americana no Irã, com o bombardeio da usina nuclear de Fordow, para evitar que mais um perigoso país tenha uma arma tão poderosa numa área tão radicalizada pela separação religiosa e política.
Quando assumi a presidência do Brasil, a única área que eu tinha total liberdade de agir era a da política externa, pois esta não fazia parte dos compromissos assumidos na política interna. Assim, eu me preparei para que no primeiro encontro com Alfonsín, em Foz do Iguaçu e mais tarde na cidade argentina de Bariloche, ele fizesse a proposta de acabar com aquilo que alguns setores militares de nossos países queriam: uma bomba nuclear. Ao contrário, decidimos promover uma política de aproximação de nossos país, o que foi feito, o que hoje é o Mercosul.
Alfonsín saiu de Itaipu tendo visitado a nossa grande Hidroelétrica, o que lhe custou grandes censuras do Almirante Rosas, líder da corrente que achava ser nossa usina uma “bomba de água” que iria destruir Buenos Aires (pensamento louco!). Essa posição do nosso irmão argentino custou ao grande presidente Raul Alfonsín, excepcional estadista das Américas, duas rebeliões internas e muitos problemas. Mas ele, como eu, estávamos com os olhos plantados na humanidade, em nossos povos. Assim, hoje, pode-se dizer, com o título deste artigo — invocando a fórmula matemática, noves fora, zero —, que estamos livres de qualquer confronto nuclear. Mas isso não nos livra de lutar contra as armas nucleares, em qualquer lugar do mundo.
Outro dia uma funcionária de minha casa disse-me ao ouvir a notícia do deslocamento do submarino de Trump: “Doutor Sarney, graças a Deus estamos fora dessa.” Eu lhe respondi: “Sim, e eu tenho orgulho de ter ajudado a tirar o Brasil dessa situação.” E fechei: “Com ajuda divina e do Presidente Alfonsín, da Argentina.”
Graças a Deus!