O encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, em pleno Alasca, foi daqueles capítulos de geopolítica que parecem roteirizados por um dramaturgo com senso de humor perverso. Dois líderes de estilos opostos — o magnata que fala por superlativos e o tzar que comunica por silêncios — saem da sala dizendo que “não houve acordo”, mas que “o diálogo foi positivo”. Traduzindo do diplomatiquês: o mundo continua no fio da navalha, ainda que alguém tenha servido café. Arnaldo Jabor diria que foi um teatro de sombras no gelo: cada um fingindo ceder, sem ceder; cada um sorrindo com os lábios enquanto rangia dentes com a alma. A ansiedade global, que já vinha em ponto de ebulição, trocou a esperança por uma pequena anestesia — o suficiente para dormir mal, mas dormir.
Do ponto de vista estratégico, a mensagem foi cristalina: a guerra da Ucrânia permanece presa ao realismo duro que John Mearsheimer descreve — zonas de influência, equilíbrios instáveis, e a velha geometria do poder riscada no mapa com régua e compasso. Joseph Nye lembraria que “soft power” não compra a paz sozinho; é preciso combiná-lo com alavancas concretas, e é aí que ambos exibem musculatura. Trump joga com sanções, promessas e ameaças performáticas; Putin, com a elasticidade de um complexo militar testado no campo. O “diálogo positivo” serve para reduzir prêmios de risco por 24 horas e dar manchete elegante; no dia seguinte, voltam a falar os canhões, os preços da energia e as rotas de grão.
Há, entretanto, um subtexto que escapou ao brilho dos flashes. Zbigniew Brzezinski ensinou que quem controla os nós da Eurásia controla as narrativas do século; Anne Applebaum lembra que o autoritarismo moderno sobrevive de zonas cinzentas, de fadiga moral e da banalização do excepcional. O Alasca, fronteira simbólica entre Estados Unidos e Rússia, ofereceu o palco perfeito para um “acordo sobre o desacordo”: sinalizaram canais abertos para evitar acidentes estratégicos — hotline, protocolos, talvez algum corredor humanitário — enquanto empurram a decisão histórica para depois. Jabor chamaria isso de “paz homeopática”: dá alívio, mas não cura; organiza a barbárie para que pareça civilizada. No mercado de expectativas, isso vale ouro. No mapa de corpos e cidades, vale muito pouco.
No fim, a repercussão global é paradoxal: baixar a temperatura sem apagar o incêndio. Para a Europa, é o lembrete de que segurança coletiva não se terceiriza; para a China, um espaço tático para arbitrar juros, chips e rotas marítimas; para o Sul Global, a chance de barganhar energia e alimentos sem virar peão descartável. Mary Kaldor diria que as “novas guerras” são feitas de economia política e emoções; Yuval Noah Harari acrescentaria que as ficções que escolhemos acreditar moldam os fatos que fingimos inevitáveis. Se foi “positivo”, foi porque a catástrofe tirou um cochilo. Mas, como ensinava Jabor, a modernidade brasileira nos treinou a aplaudir intervalos como se fossem finais. E este, convenhamos, foi só o intervalo: a peça continua, e o mundo — esse velho espectador cansado — ainda espera um ato que mereça o nome de paz.
O encontro de Putin x Trump na ótica de Arnaldo Jabor
