Outro dia, vi um post no instagram dizendo que o maximalismo é brasileiro e que não seria da nossa natureza entrar nessa onda do conservadorismo estético – ou minimalismo, como quiser chamar. Eu concordo. Acho que estamos indo, nos dias de hoje, por caminhos que não são tão naturalmente nossos… Acho, também, que nós brasileiros somos maximalistas e que isso não é uma honra só nossa.
Há uns anos, o trajeto que a cultura humana percorreu fez com que fôssemos perdendo um pouco da positividade, da originalidade e da espontaneidade. Ao longo da história do cinema, por exemplo, tivemos os filmes em preto e branco e, com a evolução das tecnologias, tivemos a melhora da imagem e do som. Na década de 80, houve uma saturação das imagens cinematográficas e isso não só é resultado dos avanços tecnológicos daquele tempo, como também reflexo de inúmeros comportamentos sociais.
Hoje, temos a perda de saturação na estética visual, que foi chegando e mudando a nossa forma de ver o mundo. O século XXI tem um novo espírito, dessa vez introspectivo e ansioso, porque os humanos se tornaram introspectivos socialmente e absurdamente ansiosos. O minimalismo, que preza pela “estética clean”, passou a ser visto como sinônimo de sofisticação e autenticidade.
Acontece que não somos assim e, num geral, não queremos verdadeiramente ser. Claro que existem excessos que não fazem sentido em tempos de colapso ambiental, crises econômicas e tanta exposição nas redes, mas essa estética desbotada, com falta de cor, é um excesso de uma realidade com a qual não devemos nos encontrar com tanta frequência. Precisamos inverter o jogo e ser introspectivos nas redes sociais e marcar mais presença na vida real.
Nas artes, o maximalismo, enquanto estilo, foi uma reação ao minimalismo. Ele surge depois da Segunda Guerra Mundial e é descrito, segundo historiadores, como estilo que não segue valores nem regras, que preza pela liberdade de expressão e pela espontaneidade e age em virtude do que é plural e diferente. Ele não “nasce” aqui, mas encontra um terreno fértil para se desenvolver lindamente.
Tivemos o barroco mineiro, a Carmen Miranda, o tropicalismo fundindo vários ritmos, cores e referências, grandes autores com contos longos e detalhistas… Nasceram, depois, a Farm, os Irmãos Campana, a acumulação estética dos grandes centros urbanos com fios, grafites e favelas, por exemplo.
Olhando pra história da moda, a gente vê períodos que alternam a estética minimalista e a maximalista, porque essas duas energias opostas impulsionam a moda e são diretamente influenciadas pela sociedade. Em época de recessão econômica: menos tecido, menos cor, menos informação… Em época de prosperidade: mais tecido, mais cor, mais informação… Talvez, mais alegria! Uma coisa fica mais em evidência até as coisas mudarem socialmente e elas trocarem de lugar. É assim que as coisas vão caminhando.
Porém, independente das tendências, do que fica em evidência, a cultura latino-americana é maximalista. Se pensarmos bem, o maximalismo, esteticamente, traz excesso. Na sua filosofia, poderíamos dizer que “mais é mais”, contrastando com o “menos é mais” do minimalismo.
A gente viveu uma coisa interessante há um tempo porque, mesmo em crise, por causa da pandemia, estávamos radiantes e coloridos. Acho que o mundo inteiro, né? O fenômeno foi diferente… Vivemos um ciclo pós-pandemia em que a grande maioria das pessoas se arrumavam demais para sair de casa, porque tinham passado os dois últimos anos trancadas dentro dela, sem usar as suas roupas mais legais. Vivemos, nesse pós imediato, uma onda maximalista gigantesca.
Depois, entramos na era minimalista, que tem muito a ver também com comportamentos mais conservadores que vieram chegando com o tempo e que influenciam não só a moda, como também a relação das pessoas com a bebida alcóolica, o esporte, os filmes, os livros e etc.
Acontece que, nem se quiséssemos, seríamos minimalistas de fato. Pensando para além da estética: essa ideia do menos é mais, nesse contexto do minimalismo eurocêntrico, cria até uma rejeição à diversidade cultural que temos e exclui os corpos, os ritmos, as expressividades e tudo de mais lindo que temos.
Antes que venham com pedras na mão: dá pra ser “minimalista” esteticamente, na moda, com o uso de cores mais sóbrias, menos informação visual e designs mais polidos, beleza? Eu estou querendo falar mesmo é sobre o todo, sobre o estilo de vida, sobre o jeito de ser. Não seu, mas de um povo inteiro e, sim, em sua grande maioria, latinoamericanos não conseguem ser minimalistas na vida. Mesmo ansiosos, mesmo depressivos, mesmo vendo pouca cor ao redor… Os brasileiros, por exemplo, não deixam de festejar o hoje, por nada no mundo.
A gente tem o funk, o samba, o sertanejo, o forró, o axé, o maracatu, o frevo, o piseiro… As unhas coloridas, as cores saturadas, a bola da altinha na praia que não sabe voar baixo… A gente tem o futebol, os bares cheios, o carnaval, os festivais e eventos regionais como Parintins, Festa Junina, Barretos, a Lavagem do Bonfim…
Temos muitos gostos, cheiros, instrumentos, ritmos, bichos… Temos muitas caras, plantas, cores, texturas, misturas, referências, músicas… O nosso país é gigante, somos um grande caldeirão de coisas acontecendo.
Podemos ir além: o brasileiro e os latinos, em geral, têm um apego afetivo aos outros. Somos calorosos, receptivos… A gente come muito, a gente abraça forte. A gente canta alto, fala alto e ri alto… Não temos medo de mostrar o que sentimos e somos. Somos maximalistas de corpo e alma.
Acho que os latinos e os brasileiros têm uma relação natural com o máximo das coisas. A gente realmente adora celebrar a vida de forma intensa e a ideia de que “mais é mais” é quase um reflexo da maneira que a gente encara o mundo. Pra gente, é sobre viver a vida acordado, conectado ao mundo, aos prazeres, às experiências, às pessoas! Não podemos perder isso, não podemos nos levar pela onda que surge, não podemos deixar de ver as cores do mudo nem as nossas cores…
As relações que cultivamos, os momentos de celebrações cheios de risadas gostosas, as memórias afetivas que decoram as nossas casas, são formas de expressar a nossa identidade. Na moda, o mesmo. Não acreditamos que a vida seja simples demais pra ser resumida a tão pouco… Precisamos de muitas camadas para ser nós mesmos e é necessário liberdade pra sentir de tudo, do bom e do ruim, sem medo.
Sou de um lugar que sente demais
