A guarda compartilhada tem se consolidado como um importante mecanismo no Direito de Família brasileiro, refletindo a tendência global de valorização do bem-estar da criança e da divisão equitativa das responsabilidades parentais. No Brasil, as mudanças legislativas mais recentes trouxeram uma nova perspectiva para as questões relacionadas à guarda de filhos, incentivando um modelo em que ambos os pais compartilham as responsabilidades pela criação e educação dos filhos, mesmo após o término da relação conjugal. Este artigo busca analisar as responsabilidades dos pais no contexto da guarda compartilhada, com base na legislação vigente, e discutir como a aplicação desse regime afeta a vida familiar.
Conceito de Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada é um regime em que ambos os genitores são responsáveis de forma conjunta pelo exercício da autoridade parental, mesmo que o filho resida com apenas um dos pais. Essa modalidade visa garantir a participação ativa de ambos os pais nas decisões sobre a vida do filho, promovendo o seu bem-estar físico, emocional e psicológico.
No Brasil, a guarda compartilhada foi introduzida na legislação pela Lei nº 11.698, de 2008, que alterou o Código Civil (Lei nº 10.406, de 2002) e criou duas modalidades de guarda: a unilateral e a compartilhada. A guarda compartilhada passou a ser a regra, reforçada pela Lei nº 13.058, de 2014, que modificou o artigo 1.584 do Código Civil para estabelecer que, em caso de separação, o juiz deve priorizar a guarda compartilhada, sempre que ambos os pais estiverem aptos a exercê-la.
O objetivo principal dessa modalidade de guarda é assegurar que o filho mantenha uma convivência próxima e contínua com ambos os pais, independentemente de quem seja o guardião principal.
Princípios norteadores da Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada se fundamenta em alguns princípios norteadores que visam proteger os direitos da criança e promover a igualdade entre os pais. Entre esses princípios, destacam-se:
- O melhor interesse da criança: Todas as decisões referentes à guarda e à criação de filhos devem ser tomadas com base no que for mais benéfico para o desenvolvimento integral da criança. O melhor interesse da criança é o princípio basilar do direito da família e está consagrado no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990).
- Convivência familiar equilibrada: A guarda compartilhada visa garantir que o filho tenha contato próximo com ambos os genitores, promovendo uma convivência familiar equilibrada, conforme previsto no artigo 1.583, § 2º, do Código Civil. Esse princípio busca evitar o distanciamento emocional de um dos pais, que poderia resultar da guarda unilateral.
- Responsabilidade conjunta: A responsabilidade sobre as decisões importantes na vida do filho deve ser compartilhada por ambos os pais. Essas decisões incluem questões relativas à educação, saúde, lazer e formação moral e religiosa da criança.
As Responsabilidades dos Pais na Guarda Compartilhada
No regime de guarda compartilhada, as responsabilidades dos pais vão além da convivência física. Ambos os genitores têm o dever de participar ativamente da vida do filho, contribuindo para seu desenvolvimento em várias dimensões. As responsabilidades principais incluem:
a) Responsabilidade sobre as decisões cotidianas
Os pais devem tomar decisões conjuntas sobre questões importantes da vida do filho, como escolha da escola, tratamentos médicos, atividades extracurriculares, entre outros. Isso significa que, mesmo que a criança resida predominantemente com um dos pais, o outro deve ser consultado sobre essas decisões.
A legislação vigente, especialmente após as modificações trazidas pela Lei nº 13.058/2014, enfatiza que a guarda compartilhada implica em um exercício conjunto da autoridade parental. O artigo 1.583, § 1º do Código Civil define que o exercício da guarda compartilhada atribui responsabilidades de forma conjunta e igualitária, assegurando o poder de decisão a ambos os pais.
b) Participação financeira na criação dos filhos
O dever de sustento também é partilhado na guarda compartilhada. Embora a convivência seja equilibrada entre os pais, isso não significa que ambos tenham despesas iguais. A responsabilidade financeira deve ser proporcional à capacidade econômica de cada um, como previsto no artigo 1.694, § 1º, do Código Civil, que estabelece o princípio da proporcionalidade na prestação de alimentos.
Dessa forma, mesmo na guarda compartilhada, é comum que um dos pais pague pensão alimentícia, para garantir que o filho tenha suas necessidades atendidas de forma justa, levando-se em consideração as condições financeiras de ambos os genitores.
c) Manutenção da convivência familiar
A guarda compartilhada busca promover o convívio equilibrado entre a criança e ambos os pais, evitando que a convivência com um deles seja limitada a visitas ou fins de semana. A residência do filho pode ser fixada na casa de um dos pais, mas isso não retira do outro o direito e o dever de participar ativamente da vida do filho.
A guarda compartilhada também evita o que a doutrina chama de “alienação parental”, que pode ocorrer quando um dos genitores tenta interferir na formação psicológica do filho para afastá-lo do outro pai ou mãe. A Lei nº 12.318, de 2010, que trata da alienação parental, reforça a importância de preservar o relacionamento saudável entre a criança e ambos os pais.
d) Educação e formação moral
Os pais, no regime de guarda compartilhada, devem atuar em conjunto na educação e formação moral do filho. Isso inclui a escolha da escola, orientação quanto aos valores e a criação de um ambiente propício para o desenvolvimento social e emocional da criança. Segundo o artigo 205 da Constituição Federal, a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, sendo essencial para o pleno exercício da cidadania.
Guarda Compartilhada e os Conflitos Parentais
Ainda que a guarda compartilhada seja a regra, há situações em que o conflito entre os pais dificulta a sua aplicação. Nesses casos, o papel do Judiciário é fundamental para mediar os conflitos e garantir que o melhor interesse da criança prevaleça. O artigo 1.584, § 2º, do Código Civil estabelece que o juiz pode, de forma excepcional, conceder a guarda unilateral quando a guarda compartilhada não for viável.
Os tribunais têm compreendido que a falta de acordo entre os pais não é, por si só, um motivo para afastar a guarda compartilhada. O STJ (Superior Tribunal de Justiça), em diversas decisões, tem reafirmado que a guarda compartilhada pode ser aplicada mesmo em casos de litígio entre os pais, desde que o ambiente de convivência seja saudável para a criança.
Conclusão
A guarda compartilhada representa um avanço significativo no Direito de Família brasileiro, refletindo a necessidade de envolver ambos os pais no processo de criação e educação dos filhos. Ao garantir a responsabilidade conjunta, a legislação promove um equilíbrio entre os genitores, buscando o melhor interesse da criança. No entanto, a aplicação desse regime exige maturidade e cooperação entre os pais, para que possam superar eventuais conflitos e atuar em prol do desenvolvimento saudável de seus filhos.
Assim, a guarda compartilhada se apresenta como o modelo ideal para a maioria dos casos, sendo a melhor forma de assegurar que o vínculo entre os filhos e ambos os pais seja preservado, mesmo após a separação do casal. A legislação brasileira, com a adoção de princípios claros e mecanismos de resolução de conflitos, tem garantido que essa modalidade de guarda seja aplicada de forma eficiente, respeitando os direitos das crianças e dos pais.