Quem acessa as redes sociais já se deparou com a frase em alguns memes e até mesmo comentários de seus usuários. Pandemia, vulcão em erupção, divulgação oficial sobre a existência de objetos voadores não identificados, enfim, todo o tipo de notícias ruins estão ocorrendo esse ano durante todos os meses, e para completar ainda no mês de julho surgiu uma nova polêmica afeta ao dia dos pais em virtude da propaganda de uma empresa de perfumes e cosméticos.
A discussão desceu a níveis tão baixos, mas tão baixos que resumiu a considerar a pessoa que tem o órgão genital masculino como pai. Um argumento medíocre levando a uma conclusão tão medíocre quanto.
Em que pese na grande maioria das vezes haver a necessidade de uma relação sexual entre homem e mulher para nascer uma criança, há décadas que a concepção da vida humana também já é realizada em clínicas e laboratórios ligados à fertilização e, posteriormente, o óvulo fecundado é inserido no útero de uma mulher.
A inseminação artificial, tanto quanto a barriga de aluguel e a adoção, quando surgiram foram criticadas e objeto dos ataques mais preconceituosos de pessoas contrárias a essas práticas, mas no mundo atual podemos considerar que esses procedimentos se tornaram normais, principalmente para casais onde um ou ambos são inférteis.
A polêmica agora gira em torno dos casais da comunidade LGBTQ+ que também há algum tempo passaram a adotar a inseminação artificial como uma forma de ter filho. Sofreram também críticas e ataques preconceituosos por contrariarem a ideia divina ou biológica de casal.
E a polêmica surgida após a divulgação de uma campanha publicitária foi de pelo fato de um homem trans ser considerado por uma empresa como pai e fazer parte de sua campanha publicitária para a data comemorativa do segundo domingo de agosto.
Foram realizados os maiores ataques e até criaram uma campanha para boicotar a “ousadia” da empresa em desafiar as “leis divinas” e a biologia humana, bradaram que homem trans não é pai e o argumento mais chinfrim já foi exposto acima.
Triste ver que na realidade a maioria dos que atacaram o Thammy pelo fato de ser o pai em uma campanha publicitária falam ter recebido amor, carinho, atenção, dedicação, proteção e educação de seus pais, mas na realidade suas falas, palavras e discursos ofensivos e muita das vezes raivosos, demonstram a ausência de um pai de verdade presente em suas vidas.
Pegasse Freud para explicar todos esses ataques realizados por pessoas ditas esclarecidas, o mesmo diria em suas conclusões se tratar de pessoas frustradas com a sua sexualidade por não ter a coragem de se assumir verdadeiramente para a sociedade como um homossexual ou um bissexual ou outro gênero que o seja, e ao preferir se esconder através de uma capa de macho alfa heterossexual passam uma vida toda frustrada e com inveja dos libertos que são os homens trans e todos os que pertencem à comunidade LGBTQ+.
A felicidade e liberdade do próximo dói na alma de quem é infeliz, de quem o tempo todo usa uma máscara para disfarçar o seu interior. Ser transparente e livre é para poucos e esses poucos, gays ou não, sofrem os piores ataques e acusações pelos que estão presos nas amarras da moral da família tradicional brasileira.
Deveria ser diferente porque a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade e a igualdade entre todos os brasileiros em seu artigo 5º, além da dignidade humana ser colocada como fundamento de nossa República de acordo com o inciso III, do art. 1º.
Ser pai vai muito além de ter somente o órgão genital masculino, aliás, quando o pai é canalha o suficiente ele acaba por usar esse seu órgão contra os seus filhos e filhas de uma forma que as marcam para o resto de suas vidas chegando muitas das vezes a ser o motivo de a abreviarem (mas não nos aprofundaremos no referido tema nesse texto).
Ser pai é acompanhar, ouvir, aconselhar, abraçar, dar amor e carinho, ensinar os valores de respeito, humildade, amor ao próximo, é preparar uma comida, uma vitamina, um suco, é defender dos maus e dos injustos, é levar para passear, brincar, rir das coisas engraçadas da vida, é também puxar a orelha quando o filho fizer algo errado, é ser o primeiro juiz e o primeiro carrasco ao tirar o brinquedo preferido ou cortar o vídeo game, é levar na frente do coleguinha para pedir desculpas por ter brigado ou feito qualquer coisa de errado para servir de exemplo e não se repetir o erro no futuro, é ser o herói tanto como exemplo a ser seguido quanto nas brincadeiras de polícia e ladrão, de praticar atividades esportivas, de desenvolver um dom artístico como tocar violão, piano, pintar um quadro ou escrever poesias.
Todo ser humano do sexo masculino nasce com o órgão genital entre as pernas, mas nem todo homem do sexo masculino será pai, poderá ter um filho, mas ser pai é muito diferente e muito maior do ato de se fazer um filho.
Alguns que criticaram o Thammy nem se perceberam que já defenderam em outros dias dos pais as mães que também são pais por criarem seus filhos sozinhos ou apenas recebendo uma pensão que não dá para quase nada. Essas mães devem ser consideradas pais também, elas fazem tudo o que um pai faria pelos seus filhos e o que ela como mãe também o faz, mesmo sendo do sexo feminino.
Na realidade os termos pai e mãe são até meio ultrapassados e ligados realmente à função de seus respectivos órgãos sexuais, mas daí a afirmar que somente a mãe tem o dever de alimentar os filhos por causa da amamentação de um bebê e o pai não deve preparar nenhuma comida, suco ou lanche é inconcebível, ambos devem prover e sustentar a sua casa, ambos devem preparar e alimentar a si e a seus filhos, ambos devem dar carinho, amor, ensino e serem exemplos para os seus filhos.
Qualquer homem trans que for presente e fizer tudo o que um pai faz para o seu filho deve ser considerado como pai, assim como qualquer mulher trans que faz tudo o que uma mãe deve fazer por seu filho deve ser considerada como mãe, não há nada de errado nisso, errado é o pensamento retrógrado (para não dizer machista) e desprovido de empatia e de amor ao próximo de querer resumir esses papeis à função do órgão genital do homem e da mulher.
Devemos combater o bom combate e contrapor cada argumento retrógrado e contrário à ideia de liberdade do ser humano zeloso de si e de sua família, cada argumento negativista da humanidade ínsita em cada um de nós pelo simples fato de sua opção de gênero.
Não é fácil ser pai e não é fácil ser mãe e por isso mesmo não se deveria resumir a discussão de quem pode ser considerado pai e quem pode ser considerado mãe a ter esse ou aquele órgão sexual. Muito melhor seria se a discussão realmente girasse em torno de quem realmente assume e exercer as funções de pai e de mãe, a discussão seria mais humana e menos machista e preconceituosa.
Evandro Salvador Junior
Advogado, conselheiro da OAB/AP de 2010 a 2012 e diretor tesoureiro da OAB/AP de 2013 a 2015