Fico imaginando o inusitado que seria se o presidente, dia 21, na ONU, denunciasse que no seu país há censura, cerceamento de direitos fundamentais e presos por crime de opinião, sem o devido processo legal. Que aqui se estabelece o que pode ser dito e o que não pode. Certamente não fez isso porque iria prejudicar a imagem do país. Mas se tivesse denunciado, esse não seria o inusitado maior.
O maior inusitado é que censura, cerceamento de liberdades e prisões não são atos de um presidente chamado de autoritário, mas consequências de decisões da Corte encarregada de defender e guardar a Constituição e, pior, atos aplaudidos e apoiados por meios de informação e instituições de defesa das leis. A pandemia acordou a natureza totalitária que estava dormida. E até o Legislativo se curvou, quando recebeu ordem de abrir uma CPI no Senado e, depois, de prender um deputado. O Presidente da República resignou-se quando o Supremo decidiu que ele não poderia nomear o seu Diretor da Polícia Federal.
Lembro-me do Plano Cruzado, quando multidões se converteram em fiscais do Sarney e saíam a prender gerente de supermercado e de farmácia, como se fossem fiscais de quarteirão soviéticos ou Sturmabteilung de Hitler, enquanto a Polícia Federal entrava no pasto, sem mandado judicial, para prender boi gordo. Nos dias de hoje repetiu-se com o lockdown, prendendo, com algemas e violência, gente que saía à praça, à praia, abria a loja, conduzia a carrocinha do sustento. Assustados pelos arautos da pandemia, nem sentimos que nos tiravam liberdades.
Hoje temos agências de censura, também chamadas de agências de checagem. Uma inquisição sob o nome de CPI, desrespeita os depoentes com ironias e gritos. Youtubers são levados a depor na polícia, como aviso e intimidação. Esses mil dias lembrados pelo Presidente me fazem pensar que nos quase 30 mil dias de vida nunca senti tão próximo um cerco liberticída.