Aí, sobreveio um fato quase rotineiro, de apupos em outro continente. Foi a oportunidade para desviar a atenção da opinião pública, saturando-a com o incidente de Fiumicino. Até então esse tipo de xingamento a autoridades não merecia mais que um registro discreto nos jornais do dia seguinte, para não estimular esse tipo de manifestação. Em geral, só aparecia nas redes sociais o vídeo colhido por algum circunstante. Igualmente as redes registravam os aplausos, como os que recebia o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo em tempos do Mensalão, o os vivas ao juiz Sérgio Moro, condutor do inquérito da Lava-jato. Ironicamente, o alvo em Roma foi justamente o Ministro que, em junho de 2018 sentenciou em voto: “Quem, não quer ser criticado, satirizado, fica em casa.”
Com tanta exposição do incidente, o Poder Executivo tratou de anular o estímulo para novas manifestações contra autoridades, e anunciou uma proposta de lei para dissuadir os descontentes com a atuação de servidores do público. Penas gigantescas de prisão para ataques a autoridades, ultrapassando até as penas de crimes gravíssimos. O próprio Presidente da República se encarregou de qualificar os supostos agressores de animais selvagens que deveriam ser extirpados – surpreendente para um país que não tem pena de morte. Também surpreendente que o próprio tribunal que abriga o ministro em questão, tenha assumido o caso, embora os supostos agressores não tenham foro no Supremo. Num caso de Justiça Federal de primeira instância, foi a última instância que reagiu, já negando a possibilidade de recursos. Foi a presidente do STF quem autorizou busca e apreensão no domicílio das pessoas investigadas. A Polícia Federal entrou na residência do casal Mantovani e levou documentos, celulares, computadores – ação inédita para um aparente caso de vias de fato, que é contravenção, e desacato no exterior, sem pena que justifique inquérito de extraterritorialidade.
O PDS de Gilberto Kassab também se contaminou com a caça aos “animais selvagens”, e sumariamente expulsou Roberto Mantovani do partido, mesmo sem apurações conclusivas do episódio. O Presidente da República, discursando no Sindicato dos Metalúrgicos, aprovou a expulsão sumária e lembrou que o expulso fora candidato a prefeito. Não mencionou que a candidatura, em 2004, tinha o apoio de Lula e o vice do PT. Depois, recomendou que mesmo não gostando de alguém, não se deve xingar. Em seguida, qualificou Mantovani de canalha. E não se constrangeu em revelar para uma plateia de metalúrgicos que havia avisado o chefe de governo alemão de que o suposto agressor de Moraes se diz representante de uma empresa alemã. Além disso, anunciou-se com estardalhaço a já sabido no caso Marielle. Para corroborar com ação, prendeu-se o Suel, que já cumpria prisão domiciliar. O Capitão Renault, de Casablanca, foi o modelo: “prendam os suspeitos de sempre”. Produz-se muito barulho para não se ouvir o discurso de Barroso na UNE.