O Brasil, tem uma responsabilidade essencial na concretização das políticas públicas sociais e ambientais com relação aos povos e comunidades tradicionais que envolve aspectos sobre territorialidade, a sustentabilidade e aos direitos humanos.
A definição de Povos e Comunidades Tradicionais, está disciplinado no artigo 3 do Decreto nº. 6.040 de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais: ֞Art. 3 – Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição֡.
No Brasil há o reconhecimento de 28 (vinte e oito) povos e comunidades tradicionais, que são formados por: povos indígenas; Andirobeiras; Apanhadores de Sempre-vivas; Caatingueiros; Catadores de Mangaba; Quilombolas, Extrativistas, Ribeirinhos, Caiçaras, Ciganos, Povos de terreiros, Cipozeiros, Castanheiras; Faxinalenses; Fundo e Fecho de Pasto; Geraizeiros; Ilhéus; Isqueiros; Morroquianos; Pantaneiros; Pescadores Artesanais; Piaçaveiros; Pomeranos; Quebradeiras de Coco Babaçu; Retireiros; Seringueiros; Vazanteiros; e Veredeiros.
Vale ressaltar que o artigo 215 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), assegura a proteção às manifestações culturais indígenas, afro-brasileiras e dos Povos e Comunidades Tradicionais, in verbis: ֡Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional֞.
Além de normas constitucionais e infraconstitucionais, o Brasil é signatários de Convenções da Unesco que tratam especificamente de Povos e Comunidades Tradicionais.
Desta maneira, os mecanismos legislativos são essenciais para que os direitos estabelecidos a essas pessoas sejam compreendidos como bases de promoção de políticas públicas em prol dos povos e das comunidades tradicionais.
É importante destacar que Povos e Comunidades tradicionais historicamente ocupam territórios ameaçados pelo setor agropecuário, pelo garimpo, pelo desmatamento ou pela exploração desenfreada da fauna, flora, recursos hídricos, e por obras públicas estruturantes. Esses povos, ao contrário, contribuem para a preservação e a conservação desses territórios e manutenção da biodiversidade.
Desta forma, são necessárias indução de políticas públicas de valorização dos Povos e Comunidades Tradicionais que permitam a inserção dessas pessoas nos espaços de produção de conhecimento, atuando na produção científica sobre a relação humana com os recursos naturais; refletir sobre a violência e o esquecimento aos quais são relegados; e sobre a representação política desses povos, a fim de ampliar o olhar para múltiplas formas de vida e vivências.
No ordenamento pátrio existem diversas normativas internacionais e nacionais sobre o Direito das Comunidades tradicionais que visão assegurar Proteção dos Direitos Humanos e a segurança jurídica, dentre elas, citam-se: i) Normas Internacionais: Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (Dec. n.º 80.978, de 12/12/77); Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (Decreto n.º 5.051/2004); Convenção sobre Diversidade Biológica (Dec. n.º 2.519, de16/03/98); Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Dec n.º 6.177, de 1/08/07); ii) Normas Nacionais: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88); Decreto Federal n.º 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; Lei Federal nº. 9.985/2000, que Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC); Decreto n.º 4.340, de 22 de agosto de 2002, que Regulamenta artigos da Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC); Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009, que Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; Lei n.º 13.123, de 20 de maio de 2015, que regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do artigo 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o artigo 15 e os §§ 3º e 4º do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto n.º 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, que Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; Decreto n.º 7.830, de 17 de outubro de 2012, que Dispõe sobre o Sistema de Cadastro Ambiental Rural, o Cadastro Ambiental Rural, estabelece normas de caráter geral aos Programas de Regularização Ambiental, de que trata a Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012; Decreto n.º 8.235, de 5 de maio de 2014, Estabelece normas gerais complementares aos Programas de Regularização Ambiental dos Estados e do Distrito Federal, de que trata o Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, institui o Programa Mais Ambiente Brasil; Resolução nº. 230/2021 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que Disciplina a atuação do Ministério Público brasileiro junto aos povos e comunidades tradicionais; além das Constituições Estaduais e Normas Ordinárias que dispõe sobre a criação do Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais dos Estados.
Diante dessas normativas é essencial esclarecer que no Brasil, a existência de conflitos de posse é secular, em que desde as capitanias hereditárias, às sesmarias, à lei de terras, perpassando à fase monárquica e republicana, com a edição do Estatuto da Terra, leis específicas para reforma agrária e da regularização fundiária, que em pleno 2024, continuam existindo conflitos agrários envolvendo posse e propriedade, com incidência de mortes na zona rural em razão dos conflitos agrários e ambiental, com institutos novos e pouquíssimos estudados como o calote fundiário público, com fins mercantilistas, invisibilidade fundiária rural proposital.
Essa sistemática proporciona a eterna grilagem de terra envolvendo posses e ocupações legitimas centenárias de Comunidades Tradicionais em virtude da ausência de arrecadação e de destinação dessas terras públicas devolutas e remanescente. Vale ressaltar que mesmo as terras públicas arrecadadas e com destinação específica que contemplam esse grupo humano de povos e comunidades tradicionais para modelos de uso sustentável, continuam sem regularização, fato impeditivo para obtenção de financiamento e de procedimentos administrativos de licenciamento ambiental por ausência de prova fundiária.
Diante deste quadro normativo, fica evidenciado que não existe terra sem posse e ocupação nos 9 (nove) Estados da Amazônia Leal, como apregoa principalmente os órgãos de controle social, de meio ambiente, de terras, de prestação de contas, e de poder de polícia.
O que existe e persiste é ausência de regularização fundiária rural das posses e ocupações legitimas anteriores das comunidades tradicionais, que seria de fácil resolução se houvesse levantamento através de censo agropecuário, de cadastro ocupacional, e de laudo antropológico, principalmente antes da destinação pelo Estado-União para implantação de modelos de uso sustentável e de proteção integral; de concessão florestal; de minerária; e de hidrelétricas.
Desta maneira, é perceptível perceber que apesar da existência de normativas nacionais, de adesão as Convenções da Unesco, de política pública, o Estado-União apresenta um quadro de política pública incipiente, de omissão, de negligência, de prevaricação, visto que não prosperou a regularização fundiária rural para assegurar segurança jurídica aos Povos e Comunidades Tradicionais que tem posse legitima centenárias em terras públicas na Amazônia Legal, fato que dificulta a garantia da propriedade privada, submete a grilagens de terra, sem olvidar do fator impeditivo quando ao uso e acesso aos recursos naturais através do procedimento administrativo do licenciamento ambiental por ausência de prova fundiária, fruto da omissão do Estado-União da manutenção da invisibilidade rural das posses legitimas quanto ao reconhecimento da titularidade da terra. Mesmo fato se propaga nos modelos de uso sustentável como assentamentos rurais, terras quilombolas, unidades de conservação de uso sustentável, em que não há regulação fundiária, seja individual ou coletiva.
A garantia e a proteção dos territórios tradicionais é fundamental para a manutenção das funções ecológicas do bioma e toda sua biodiversidade e para o desenvolvimento justo e sustentável. As práticas dos povos e comunidades tradicionais possuem tradicionalmente uma lógica de manejo para a sustentabilidade, muitas vezes renegada pela sociedade e pelo Estado-União, mas que vem se mostrando a alternativa mais viável para a sobrevivência da Amazônia.
Portanto, conforme exposto, existe normativa que conceitua e identifica todos os requisitos legais para ser caracterizado como povo e comunidade tradicional, já que esses conhecimentos continuam sendo repassados aos seus descendentes como forma de produção econômica, social e ambiental.
A terra, a floresta e a água, possuem um papel fundamental para garantir a proteção dos direitos e da identidade desses povos e comunidades tradicionais, cujos meios de vida possibilitam a manutenção da de seus recursos há tantas gerações.
Entretanto há omissão do Estado-União, quando a invisibilidade rural no bioma Amazônico, sujeitando essa parcela da população a todo processo de apropriação e expropriação de terra e de seus recursos naturais. E que mesmo as áreas arrecadas e destinadas a eles continuam sem regularização fundiária.
Diante desse quadro é possível concluir que apesar do extenso arcabouço jurídico que reconhece o direito territorial dos povos e das comunidades tradicionais, a efetivação deste é prejudicada não apenas pelo processo administrativo moroso e burocrático instalado no Brasil, mas também pela atuação de antagonistas ao processo de titulação, que agem violando direitos face à fragilidade das comunidades que não possuem o documento de suas terras.
NORMAS GARANTIDORAS DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS QUANTO À TERRA E AOS RECURSOS NATURAIS
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