Esses imigrantes saídos do Oriente e da Europa entre o fim do século 19 e meados do século 20 foram a força motriz de um Brasil recém-saído da escravidão. Enquanto os italianos, espanhóis, alemães, polacos e japoneses foram para a agricultura e o chão das fábricas, os turcos, como eram chamados todos os árabes, se dedicavam ao comércio.
E com Salomão não foi diferente. Mascate saiu percorrendo o interior de São Paulo vendendo suas coisinhas até que um dia seu destino cruzou com o de Jamile Ayub na pequena Vila Monteiro, atual Fernandópolis. Filha de um libanês e uma grega, Jamile se apaixonou por Salomão e os dois se casaram. Tiveram 8 filhos.
Em 1933 foram para o Norte do Paraná, onde no ano seguinte seria fundada a cidade de Londrina. A região se tornou um polo de desenvolvimento comandada por Lord Lovat, emissário da coroa inglesa. Foram 66 municípios colonizados, veio estrada de ferro, progresso e Londrina prosperou chegando a produzir metade do café brasileiro nos anos 1940.
Salomão prosperou junto. De mascate virou empresário com “lojinha” de sapatos, tecidos e confecções e acabou se estabelecendo em Cambé, 10 quilômetros adiante. Najila, sua filha, foi a primeira criança registrada em Londrina em 1935.
Em 1950, Salomão Hauly tinha 47 anos quando nasceu seu caçula Luiz Carlos, no dia 8 de outubro de 1950. Quis o destino que o filho de seu Salomão entrasse para a política num tempo em que a ditadura governava com um porrete numa mão e a mordaça na outra. Com 22 anos, foi eleito vereador em Cambé. Estava terminando o curso de educação física e dava aulas numa escola pública. Cheio de ideias inovadoras, era taxado de comunista.
Veio a eleição para prefeito, e ele se candidatou. Tinha 26 anos, muita testosterona e pouca habilidade política. Perdeu a prefeitura, mas ganhou Maria Célia. Casaram, tiveram 2 filhos. A mulher empurrou Luiz Carlos novamente para a universidade, e ele se formou em economia no mesmo ano em que voltou a disputar a prefeitura. Ganhou. E a partir daí começou a trilhar o caminho que o levaria a ser um dos políticos mais respeitados do Paraná e do Brasil.
Luiz Carlos virou Luiz Carlos Hauly, ou somente Hauly, o prefeito que implantou a primeira escola de tempo integral do Brasil, a escola Pedro Tkotz, fez parceria com a doutora Zilda Arns para implantar a segunda Pastoral da Criança do Brasil e elevou a qualidade de vida da sua cidade de uma forma nunca vista na região.
O prefeito de Cambé ficou famoso e acabou secretário de Fazenda do governador Álvaro Dias com apenas 36 anos. Fez um convênio com o governo alemão e conseguiu revolucionar a arrecadação e a aplicação de impostos no Paraná a ponto de o governador Álvaro Dias poder investir 22,2% do PIB do Estado por ano. Em 1990, Hauly se elegeu deputado federal. Era um Congresso bem diferente deste de hoje.
Lembro-me daquele Hauly com seus 40 anos, a cabeça a mil por hora, uma incrível capacidade de analisar fatos e versões, especialmente da área econômica. Em pouco tempo, virou uma das mais bem informadas fontes do Congresso. Era amigo do senador José Richa, de Mário Covas, doutor Ulysses e tinha verdadeira obsessão por uma reforma tributária que pudesse fazer valer aqui as lições que aprendera com os alemães. Fez o supersimples, a lei do MEI, aprimorou a Lei da S.A. e a lei que desonerou o ICMS.
Hauly tem 8 mandatos de deputado. Aprendeu a fazer política de alto nível, da conversa e do entendimento. Nesta semana, ele voltou ao Congresso depois de 4 anos fora da Câmara. Substituiu Deltan Dallagnol, o deputado lava-jatista cassado, colecionador de inimigos cujo estilo tem sido fazer política com o fígado. Com a troca, sai a bile e entra a massa cinzenta. Vai a testosterona, chega a dopamina.
“Eu não tenho mais tempo a perder. Quero trabalhar pela reforma tributária, porque isso será bom para o país independente do governo. Não é uma questão de ser de esquerda ou de direita, mas de ser patriota. A reforma tributária será boa para todos”, costuma dizer Luiz Carlos Hauly, 72 anos e 50 de vida pública. Nos últimos 30 anos, ele tem sido um guerreiro da sua causa. Suas armas são a palavra e a inteligência. Tem uma enorme capacidade de persuasão, herança do seu Salomão, vendedor nato.
Num Congresso dividido entre lulistas e bolsonaristas, Hauly fez uma emocionante homenagem ao doutor Ulysses Guimarães, o grande timoneiro que conduziu o Brasil na transição da ditadura para a democracia. Uma conversa meio que de pai para filho. Falou a Ulysses que enfrentou os cachorros do governador Roberto Santos em Salvador, cercado pela PM baiana durante sua 1ª campanha presidencial, em 1978.
“Respeitem o presidente da Oposição! Soldados da minha Pátria, baioneta não é voto, cachorro não é urna!”, bradou Ulysses. Os PMs recuaram. Ali nunca faltou coragem. Ulysses, Tancredo Neves e o ministro da Justiça Petrônio Portela seriam os grandes artífices da anistia e da abertura política.
Ensinaram ao Brasil que o ódio é o pior dos correligionários e a política a arte do entendimento.
O Brasil viveu um momento histórico no fim dos anos 1970, no qual o entendimento fez a ruptura, levando ao fim da ditadura e trazendo a redemocratização. Hauly é cria desse tempo e desses mestres. Católico, político de centro, ele não voltou ao Congresso para brigar; retornou para construir. Não tem medo de andar sozinho, pois, como ensinou o poeta libanês Gibran Khalil Gibran, “numa só semente de trigo há mais vida do que num grande monte de feno”.