Damos valor demais a coisas sem importância e sofremos por isso. Para nos sentir melhores, projetamos grandeza naquilo que sentimos e desejamos.
Não é raro que o futuro chegue e percebamos que não se muda o passado e que, apenas, acumulamos troféus vazios. Para o mar, o que isso importa? Estava lá antes, durante e depois dos nossos esforços e dos tantos conflitos e pouco aprendizado e, decerto, estará lá, ainda, muito depois de termos partido, como a nos lembrar que damos importância demais a coisas sem valor.
Seguimos, sendo desgastados e vítimas da inveja, vaidade e ego alheio. Eventualmente passamos por cima de nós mesmos e dos nossos valores, princípios e prerrogativas, normalmente em troca de nada.
Corremos tanto e tanto que, por vezes, tropeçamos até na felicidade, como se a víssemos de relance. Estamos sempre ofegantes, correndo e correndo tanto. Pausar, para respirar, sorrir, descansar, saborear vitórias? Não nos permitimos! Em meio a tudo isso, quando nos sentamos, sozinhos, à beira mar, parece que ele dá de ombros e nos provoca, manifestando a sua indiferença, como se nos dissesse que o que sentimos e sofremos para conquistar, no final das contas, não significa nada e que, no fundo, não lhe interessa.
Ninguém vive dos louros pretéritos ou na sombra das derrotas. Quando temos troféus reluzentes, já no momento seguinte usualmente nos deparamos com um novo porvir, pois aquele momento sublime, de fato, já ficou para trás. Do mesmo modo, as lágrimas já rolaram, os sorrisos já se foram e os segundos correm. Tic-tac, tic-tac.
Juramos fidelidade, respeito aos valores inatos e aos adquiridos, nessa vida desafiadora e que, diariamente, nos faz perceber que há ouro de tolo junto ao que realmente merece valorização. E, tal qual vítimas de estelionatários, parece que percebemos a iminente desilusão mas não deixamos de continuar acreditando, até cair no abismo da realidade e, como incautos inocentes úteis, nos dizer surpresos com a vilania alheia.
Nosso ego é mau conselheiro. Traímos o nosso instinto e acreditamos em ilusões, sendo incapazes de dar o braço a torcer quando o caminho estava errado, pedir desculpas a nós mesmos e partir para novo recomeço. No fim das contas, certos ou errados, vitoriosos ou não, depois de tantas lutas por conquistar algo, parece que o mar nos provoca, dizendo-nos, ao seu modo, o quanto isso não lhe importa.
Como se diz, cada um ao seu modo, acordamos para enfrentar os desafios de cada dia, já começando pelo despertar. Sabiam que nem todos vivem com as mesas de café da manhã das cenas de novela e postagens de aplicativos? Precisamos projetar a imagem que desejamos, talvez por não confiar muito no que carregamos em nós. Aliás, a imagem e o imaginário estão umbilicalmente unidos, já que derivam de imago, imitari e imaginari. O que se se imagina se constitui como imagem mental de algo real, mas não é a realidade.
Essa luta do ego, esse conflito do íntimo com o exterior, da imagem real com a projeção social, está presente em nossas vidas, com maior ou menor complexidade e intensidade – mas está. Nas imagens difundidas há os sorrisos alvos e os abraços e afagos, algo, também, nem sempre comum nos lares. O pranto mais contido, o grito mais abafado e a ferida mais sangrenta podem estar sob a luz do sol ou no breu da noite, como “segredos de travesseiro”. Também podem se fazer presentes na casa mais cara ou na mais singela. E, no fim, quantos, na velhice, trocariam toda a riqueza e fortuna por mais alguns anos de vida com saúde? Curiosamente não percebemos isso, quando desperdiçamos tempo e momentos que deveriam ser bons e aprazíveis, por suor para acumular algum dinheiro e comprar mais coisas que enferrujam, envelhecem, mofam no fundo dos armários ou caem em desuso?
O mar está lá, sempre e ainda. É bom símbolo do infinito. Gigante com águas que se movimentam com o vento que lhe toca e massageia as costas na sua superfície. Maiores ou menores, as suas ondas renovadoras lambem as rochas e as areias de todas as praias, de todo o mundo. Nesse caldo de vida, batido por esse liquidificador divino, tudo se renova. Quem diria que moléculas, das águas que hoje nos banham, já banharam outros em Capri, Congo ou Bali? Quem diria que nessas oceânicas águas já navegaram os Vikings, Colombo e Cabral? O que diria a memória do mar, se a ela tivéssemos acesso? Por isso e por tantas coisas, perdidas na eternidade do tempo da história, o que nos acontece é insignificante, essencialmente.
Não adianta sofrer tanto pela injúria alheia, pela deselegância ou desconsideração que sofremos, pela ingratidão tão habitual aos nossos semelhantes, pela inveja, pelas traições, pelos conchavos, esquecimentos e manipulações. Tudo isso é próprio dos humanos, precários em sua baixa estatura e grande ego. Somos menos vítimas deles do que da nossa credulidade. Somos avaliados na nossa paciência, na nossa fé, na nossa coragem e na nossa determinação. Somos testados a fazer o certo, mesmo que ninguém esteja olhando ou quando não somos filmados. Acima de tudo, somos testados pela nossa consciência!
Nossas conquistas sobre os outros talvez sejam menores do que as nossas vitórias sobre nós mesmos. A par de tanto esforço, tantas lutas, tanta perseverança, mesmo com o suor escorrendo por nossas faces, nossos músculos cansados, nossa pele frisada pelos vincos do tempo e nossas calejadas mãos, o mar estará lá, impávido gigante, seguro de si, da sua grandeza e da sua infinita existência, tanto maior quando comparada à eternidade que pretendemos dar a coisas materiais, a sentimentos passageiros e a coisas que já pertencem ao passado.
Quando nos achamos pequenos ou importantes demais, quando isso ou aquilo, basta pensar no mar, ali, ainda e sempre, ignorando-nos no nosso orgulho grande e importância relativa e dispensável. O mar se confunde com a História do mundo. Está ali desde o início e em si surgiu a primitiva vida. O que lhe importa a minha ou a sua curta existência, quando a História segue, alheia a essa pequenez? O uso do tempo do mundo não é comparável às nossas limitações. Isso tudo é sobre as nossas vidas, de um jeito ou de outro. Para o mar, o que importa?