No roteiro do livro, ainda no prelo, de minha autoria, “As Confissões do Valente Romualdo – Uma História da Periferia”, o personagem central narra, em primeira pessoa, seus desafios desde os 06 anos de idade. Nascido na periferia, de pais pobres, pai alfabetizado e mãe analfabeta, Romualdo toma sua primeira decisão aos 6 anos quando compreende a mensagem de seu pai de que o único caminho possível para mudar o destino seria a educação. Impôs, como sua primeira meta, ser o melhor aluno da classe, em todos os anos. Compreendeu que essa meta só dependeria de seu esforço. A estória é instigante e retrata o desafio de todas as crianças pobres. É uma dura batalha contra as mazelas de conviver com a falta de condições básicas para a sobrevivência. Alguns, ao final, atingem suas metas, outros, a maioria, ficam pelo caminho, como filhos desafortunados do destino da pobreza, porque o propósito, diferente do que pensava Romualdo Ramos, não depende somente de seu esforço.
Semana que passou acompanhei, em revisão, um trabalho da universidade da maturidade (UMAP), um programa para terceira idade da Universidade Federal do Amapá, que tratava sobre adolescência como rito de passagem do desenvolvimento humano. O trabalho mexeu com o público alvo diante de tantas descobertas sobre a adolescência. A maioria dos acadêmicos, já avós, sentiram o quanto falharam e o quanto acertaram ao tratar com os problemas da adolescência de seus filhos. A maioria teve a desdita da descoberta de o quanto errou ao tratar com seus filhos na adolescência. Não é fácil constatar que tudo poderia ser diferente se o conhecimento sobre o fenômeno da adolescência tivesse chegado a tempo. O problema da maioria dos avós foi que o conhecimento, que só poderia vir por intermédio da educação, não dependia, exclusivamente, deles.
No enredo do livro, quando Romualdo Ramos entendeu o recado de seu pai de que a saída para uma vida digna seria a educação, também não cogitou da hipótese de que outras circunstâncias poderiam afetar o alcance de seu propósito. Bem mais tarde, já com as cicatrizes da luta, com sucesso na sua empreitada, fez uma revisão da vida. Entendeu que a mobilidade social existe, mas existe, em cada estamento social, os membros natos e os emergentes. A diferença é que os emergentes não têm a garantia da permanência e são vistos como intrusos pelos membros natos. Na fase da adolescência, esses desafios dos filhos da pobreza os afetam com a contundência de uma colisão frontal em alta velocidade de dois veículos. É nesse ponto que a caminhada flui, mesmo com todas as dificuldades, ou, ao contrário, paralisa e o adolescente passa a ser somente agente reprodutor da sua história de pobreza, recheado de revoltas.
A educação é função essencial do Estado. Quando ela não atinge seus objetivos pela precariedade na sua atuação de status constitucional, a base sofre e o país estaciona. Se a educação chegasse a maioria das pessoas, num ciclo virtuoso, todos os pais conheceriam os desafios do desenvolvimento humano como, por exemplo, a fase da adolescência, e melhor assistiriam seus filhos. O desafio das crianças pobres seria outro, numa dimensão mais sublime, sem o trauma de serem orientados por quem padeceu do mesmo mal e vive nas trevas. A orientação da sociedade seria outra e as pessoas estariam imunes a intervenções externas desalinhadas com suas metas, impregnadas de ideologias tacanhas. A vitória no desafio das crianças pobres passa pela avenida iluminada da educação, obrigação do Estado. Sem ela, infelizmente, poucos chegarão no topo da pirâmide.