Todos os cidadãos que têm terra, têm conhecimento ou deveriam saber que existem critérios para Reconhecimento de Posse, Ocupação, e Distribuição de Terras da Públicas União e isso está consagrado desde a Coroa Portuguesa, entre os anos de 1531 a 1822, cuja distribuição era condicionada a critérios restritos, que contribuíam para que o uso e a exploração da terra, inicialmente realizada através das Capitanias Hereditárias e Sesmarias, que foi a primeira tentativa para organizar a Ocupação e a Colonização do Brasil, em que a exigência era que houvessem melhores aproveitamentos e produtividades das terras.
Em 1850, houve a edição da Lei de Terras – Lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850 -, considerada como uma legislação inovadora no âmbito do Direito Agrário Brasileiro. Uma de suas particularidades faz referência à compra (alienação) como a única forma de acesso à terra, o que inviabilizou os Sistemas de Posse ou Doação, anteriormente utilizados pelo Sistema Sesmarias. Assim, todos os que já estavam produzindo na terra recebiam o título de proprietário. Por outro lado, as terras que ainda não eram ocupadas e não cumpriam a função social passavam a ser propriedade do Estado, principalmente para combater especulação imobiliária, muito comum hoje na Amazônia Legal.
Após anos, em 1964, foi criado o Estatuto da Terra, que é a forma como se encontra disciplinado o uso, ocupação e demais relações fundiárias no Brasil. De acordo com o referido Estatuto, o Estado passou a ter obrigação de garantir o direito de acesso à terra para quem nela vive e trabalha e cumpre a função social da propriedade.
Entretanto, a primeira lei criada com o objetivo de padronizar o Registro de Imóveis Rurais foi a Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Esta norma trata não somente do Registro de Imóveis Rurais e Urbanos, como também, do Registro Civil de Pessoas Naturais e Jurídicas, títulos e documentos.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), também possui grande relevância para a matéria. Ações de Reforma Agrária foram legitimadas e, com o objetivo de harmonizar os interesses envolvidos, foi garantido o Direito de Propriedade, a obrigatoriedade do cumprimento da função social e também foi prevista a vedação de penhora para pagamento de débitos decorrentes das atividades produtivas da pequena propriedade rural.
A Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), garantiu a propriedade familiar, e a definiu como o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração e, eventualmente, trabalho com a ajuda de terceiros.
Mais tarde surgem normas importantes para tratar de terras da União na Amazônia Legal, como:
i) a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009 que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; altera as Leis nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, e a 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências;
ii) Decreto n.º 10.592, de 24 de dezembro de 2020 que regulamenta a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009, para dispor sobre a regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, e em terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, por meio de alienação e concessão de direito real de uso de imóveis;
iii) Instrução Normativa Nº 104, de 29 de janeiro de 2021 que Fixa os procedimentos para regularização fundiária das ocupações incidentes em áreas rurais, de que trata a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009, regulamentada pelo Decreto n.º 10.592, de 24 de dezembro de 2020, e dá outras providências.
Além das normas de terra em vigor, tramita no Congresso e no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 2.633, de 2020, que aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização fundiária sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.
Portanto, conforme exposto, é importante esclarecer, que a ausência de controle sobre a divisão de terra no Brasil é antiga, vem desde a Colonização Portuguesa, em que até hoje existe uma lacuna e ausência de uma conexão entre Cadastro de Georreferenciamento e Cartório de Registro de Imóveis.
A título de ilustração da situação de Cadastro de Georreferenciamento e da conexão com o Cadastro de Registro de Imóveis, o Brasil tem 851 milhões de hectares e 5.570 municípios, o que equivale duas vezes à União Europeia, entretanto apresenta seus diversos cadastros fragmentados e dissociados. Mais grave ainda é detectar que há municípios sem Cadastro Georreferenciado, dados sem padrão, incompletos ou desatualizados, e que esses Cadastros Urbanos e Rurais são separados.
Portanto, existe ausência de integração entre Cadastros de Georreferenciamento e os Cartórios de Registros de Imóveis, e entre as bases cadastrais dos municípios. Isso equivale dizer, que metade dos imóveis urbanos não tem Escritura Pública no Brasil, faltando integração da base de dados dos imóveis.
Isso reflete em insegurança jurídica na compra e venda dos imóveis, para comprovar basta analisar os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2001) em que salienta que em termos de terras griladas há um contingente de 100 milhões de hectares de terras griladas, que representa quatro vezes o Estado de São Paulo e duas vezes a Espanha, sem olvidar que temos no pais terras de papel ou beliches fundiários, que representa área registrada maior que a área oficial.
Portanto, sem integrar os bancos de dados, os diferentes Sistemas Cadastrais e resgatar as informações relativas aos imóveis incorporados ao patrimônio público e destinados, o caos vai continuar no país.
Após essa digressão de normas brasileiras e de dados que tratam de Governança de Terras no Brasil, vamos tratar mais especificamente da Lei nº. 10.267, de 28 de agosto de 2001, objeto do artigo, conhecida como Lei de Criação do Sistema Público de Registro de Terras, originária do PL no. 3242/2000, e que surgiu com a promessa de acabar com a Grilagem de Terras. Diga-se de passagem que o material produzido para a divulgação da lei anunciava que “Grilagem de Terra e Latifúndio agora são coisas do passado.” É importante salientar que a Lei n.º 10.267, de 2001, também modificou a Lei n.º 4.947 de 6 de abril de 1966, a Lei n.º 5.868 de 12 de dezembro de 1972, a Lei n.º 6.739 de 5 de dezembro de 1979, e a Lei n.º 9.393 de 19 de dezembro de 1996.
Vale ressaltar que essa norma criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), o Georreferenciamento seria realizado de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), além da exigência que os Cartórios de Serviços de Registro de Imóveis encaminhassem ao INCRA, mensalmente, todas as modificações ocorridas nas Matrículas Imobiliárias decorrentes de mudanças de Titularidade, de Parcelamento, de Desmembramento, de Loteamento, de Remembramento, de Retificação de Área, de Reserva Legal e de particular do patrimônio natural e de outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os imóveis rurais, inclusive os destacados do patrimônio público. É importante enfatizar que a obrigatoriedade de realizar o Georreferenciamento não se limitou apenas ao proprietário do imóvel rural, mas também aos possuidores, usufrutuários, foreiros ou enfiteutas.
Desta forma, esta lei foi criada com o intuito de padronizar a identificação de propriedades rurais, funcionando como um método de validação das coordenadas geográficas de uma propriedade por meio de mapas e imagens vinculados ao Sistema Geodésico Brasileiro, que é um sistema de coordenadas associado à família de pontos descritores, proporcionando a dimensão e localização de um determinado imóvel rural com alto grau de precisão.
Destarte, o Sistema Geodésico Brasileiro tem no Banco de Dados Geodésicos um repositório de informações, o qual contém valores de coordenadas latitudes, longitudes e altitudes, localização dos marcos implantados e seu estado de conservação, itinerário para facilitar sua localização em campo, dentre outros atributos.
Para muitos doutrinadores e profissionais liberais que trabalham na área de Georreferenciamento, relacionam como vantagem que a Lei nº. 10.267, de 2001, vem colaborando para um enfrentamento do problema do ineficiente ordenamento territorial que sempre esteve presente na história brasileira. Deste modo, nas últimas décadas, essa questão foi reconhecida como diretamente relacionada ao desenvolvimento sócio econômico e ambiental. O Ordenamento Territorial Rural é um movimento mundial e uma necessidade premente, decorrente principalmente das Resoluções de Conferências Internacionais da ONU, estabelecendo ações para preservação e conservação do meio ambiente, para erradicação da pobreza, para promoção do progresso social e para o bem-estar para todos, como pilares para o desenvolvimento sustentável e justiça social.
Essa Governança da Terra surgiu a partir de 1990, base para um padrão de uso da terra de forma sustentável e de inclusão social. Desta maneira, fica evidenciado a importância da Lei do Georreferenciamento de Imóveis Rurais, que busca um diálogo entre o Cadastro do Georreferenciamento e o Cadastro de Registro de Imóveis, configurando-se com uma ferramenta para estagnar a grilagem, e garantir segurança jurídica para quem trabalha, vive na terra, e cumpre a função social da propriedade.
Incontestavelmente, a Lei nº. 10.267, de 2001, transformou a concepção que a sociedade brasileira tem hoje sobre a necessidade de um ordenamento territorial eficiente e eficaz no meio rural. Anteriormente, essa Governança da Terra era debatida e internalizada em ambientes acadêmicos e de profissionais ligados à área de regularização fundiária e registral, mas sem ter uma interlocução em âmbito nacional, ficando restrita a um grupo seleto.
Todavia com a criação desta lei essa questão passou a contar com uma ferramenta que se mostrou adequada e de proporções nacionais, que trouxe avanço e conexão entre os Cadastros de Georreferenciamento e Cadastro de Registros de Imóveis. Assim, essa norma dentre outros procedimentos igualmente necessários para implementar ações voltadas ao ordenamento territorial, possibilitou o conhecimento preciso dos limites da ocupação territorial, com base em suas coordenadas Georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, com um nível de confiabilidade dado pelas respectivas precisões posicionais, inclusive com as exigências de profissionais habilitados e credenciados pelo Conselho de Engenharia, o que fez com que muitos cursos técnicos, de tecnólogos e de engenharia fossem criados nas Faculdades, Universidades, Institutos Privados, e Federais de Educação, para atender essa demanda reprimida de profissionais habilitados para desenvolver atividades de Georreferenciamento e de Registro de Imóveis.