Você sabia que a criança também é considerada consumidora? Inclusive, se amolda ao conceito de consumidor hipervulnerável, pois, em razão da sua especial condição, se torna mais exposta às práticas comerciais perpetradas no mercado de consumo, assim como à periculosidade e à nocividade de determinados produtos.
O conceito de consumidor hipervulnerável é admitido pela doutrina. Segundo Cláudia Lima Marques: “a hipervulnerabilidade seria a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparente ou conhecidas do fornecedor, como a sua idade reduzida (assim o caso da comida para bebês, nomes e marcas de salgadinhos ou da publicidade para crianças”.
Segundo os autores Michael César Silva e Samuel Vinícius da Silva: “A criança é um indivíduo com formação física, intelectual e psicológica ainda incompleta, motivo pelo qual seu discernimento é reduzido (limitado), sendo, portanto, mais suscetível a massificação do consumo do que um adulto que possui maior compreensão e conhecimento sobe aspectos da vida em sociedade”.
Da mesma forma, jurisprudência admite o citado conceito, conforme é possível aduzir a partir de uma leitura atenta de um trecho do voto proferido pelo Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, no REsp 586.316/MG:
“O Código de Defesa do Consumidor, é desnecessário explicar, protege todos os consumidores, mas não é insensível à realidade da vida e do mercado, vale dizer, não desconhece que há consumidores e consumidores, que existem aqueles que, no vocabulário da disciplina, são denominados hipervulneráveis, como as CRIANÇAS, os idosos, os portadores de deficiência, os analfabetos e, como não poderia deixar de ser, aqueles que, por razão genética ou não, apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo consumo de produtos ou serviços livremente comercializados e inofensivos à maioria das pessoas”.
Deste modo, o próprio CDC prevê no art. 39, IV, CDC, como prática abusiva prevalecer-se da fraqueza ou da ignorância do consumidor, considerando-se a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Neste sentido, em homenagem a este dia especial, trago aqui alguns direitos que as crianças consumidoras possuem e devem ser respeitados!
1. Cultura, Lazer, Diversões e Espetáculos:
Ao pensar na figura da criança, automaticamente as associamos à diversão e ao lazer. Contudo, é preciso ter muita cautela, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente adverte os pais e fornecedores sobre algumas informações:
a) Espetáculos e diversões:
Os pais ou responsáveis devem estar atentos à natureza, às faixas etárias, aos locais e aos horários de determinados espetáculos e diversões, verificando se a programação é compatível com a criança (art. 74 do ECA). As crianças menores de 10 anos só poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou exibição, quando estiverem acompanhadas dos pais ou responsáveis (art. 75, parágrafo único, do ECA).
b) Fitas de Programação em vídeo:
Os fornecedores que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação em vídeo estarão atentos para que não seja comercializado ou locado produto em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente (art. 77 do ECA). Por isso, todas as fitas deverão exibir informação sobre a natureza da obra e a faixa etária a que se destinam.
c) Revistas e Publicações:
Os fornecedores devem estar atentos, pois as revistas e publicações que contiverem material impróprio ou inadequado às crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com advertência do seu conteúdo (art. 78 do ECA).
As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil NÃO poderão conter ilustrações, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, assim como devemrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 79 do ECA).
2. Produtos e Serviços:
No que se refere aos produtos e serviços, é importante se atentar que o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe, no art. 81, a comercialização à criança de:
• Armas, munições e explosivos;
• Bebidas alcóolicas;
• Produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida;
• Fogos de estampido e de artifício, salvo aqueles que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de produzir qualquer dano físico em caso de utilização indevida;
• Revistas e publicações impróprias;
• Bilhetes lotéricos e equivalentes.
Ademais, veda a hospedagem das crianças em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável, no art. 82!
É importante ressaltar, também, que o Código de Defesa do Consumidor veda que o fornecedor insira no mercado produtos e serviços altamente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança do consumidor, no art. 10. Neste sentido, produtos (ex: brinquedos) ou serviços (ex: prestados em parques de diversões) que ofereçam alto risco à integridade física e psíquica das crianças NÃO PODEM ser inseridos no mercado.
Destaque-se que, caso o fornecedor note posteriormente tal periculosidade, deve comunicar o fato IMEDIATAMENTE às autoridades competentes e aos consumidores, através de anúncios publicitários (art. 10, parágrafo único, do CDC).
Por isso, pais e responsáveis, fique atentos aos produtos e serviços que são ofertados às suas crianças!
A publicidade infantil é considerada abusiva e, portanto, vedada pelo ordenamento jurídico. Existem pesquisas que evidenciam todas as repercussões que os anúncios publicitários podem causar ao desenvolvimento saudável da criança, podendo ensejar: mudanças de comportamento, transtornos alimentares, erotização precoce, estresse familiar, violência e delinquência e alcoolismo.
A Resolução n.º 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) já trazia essa concepção de que o direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, pessoa de até 12 anos de idade, conforme o ECA, é abusivo.
Deste modo, resta proibida a publicidade também no interior de creches e escolas de educação infantil e fundamental e, inclusive, nos uniformes escolares e materiais didáticos. Ressalte-se que o desenvolvimento de ações de marketing em ambiente escolar se torna ainda mais gravoso, considerando-se que este ambiente é o segundo espaço de socialização depois da família, corroborando para a formação de valores da criança. Assim sendo, estas podem ficar extremamente confusas ao serem submetidas às ações de publicidade no interior das escolas, tornando-se ainda mais vulneráveis às campanhas de marketing, pois não sabem distinguir a publicidade de intervenções com a finalidade didático-pedagógica.
Neste sentido, qualquer tipo de anúncio impresso, comercial televisivo, banner, site, embalagem, merchandising, ações em shows e apresentações direcionado à criança é proibido, pois fere a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, além da Resolução do Conanda, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no dia 10 de março de 2016, como abusiva e ilegal a publicidade direcionada às crianças, enquanto julgava a campanha “É Hora de Shrek”, de 2007, da empresa Pandurata, detentora da marca Bauducco. O Ministério Público de São Paulo ajuizou uma Ação Civil Pública, alegando a abusividade da campanha, em virtude de se dirigir ao público infantil e evidenciar uma venda casada.
Neste julgamento, a advogada Daniela Teixeira, representando o Alana como amicus curiae, argumentou:
“A propaganda que se dirige a uma criança de cinco anos, que condiciona a venda do relógio à compra de biscoitos, não é abusiva? O mundo caminha para frente. (…) O Tribunal da Cidadania deve mandar um recado em alto e bom som, que as crianças serão, sim, protegidas”. O relator do recurso, o Ministro Humberto Martins destacou se tratar, de fato, de venda casada, assim como de uma simulação de presente, quando o fornecedor condicionava um produto a outro.
O ministro Herman Benjamin seguiu o relator, afirmando o seguinte:
“Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais”.
A decisão do colegiado foi unânime. A turma concluiu pela abusividade de propaganda que condicionava a compra de um relógio de um personagem infantil à aquisição de cinco biscoitos. Ademais, os ministros decidiram que a publicidade dirigida às crianças ofende a Constituição e o CDC.
Caso constate uma publicidade infantil, o Instituto Alana orienta que seja formulada, inicialmente, uma reclamação perante as empresas anunciantes, através das redes sociais ou dos canais de comunicação com o consumidor. Ademais, cabem denúncias aos órgãos competentes do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o Ministério da Justiça, os Procons, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
3. Educação Pública e Privada (Lei 9.870/99):
É importante ressaltar que existe a Lei 9.870/99 rege a educação privada e garante determinados direitos e veda determinados comportamentos que podem prejudicar e causar constrangimento aos alunos, estando incluídas as crianças, quais sejam:
a) Renovação das matrículas: Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual (art. 5º);
b) Proibição da suspensão de provas escolares, retenção de documentos escolares ou a aplicação de qualquer penalidade pedagógica em decorrência do inadimplemento (art. 6º);
c) Desligamento do aluno por inadimplência apenas poderá ocorrer ao final do ano letivo (art. 6º);
d) É proibido reter os documentos de transferência dos alunos, em razão da inadimplência (art. 6º);
e) Dever de matrícula das crianças, alunas, em estabelecimentos públicos de ensino fundamental, quando os contratos celebrados por seus pais ou responsáveis para a prestação de serviços educacionais, tenham sido suspensos em virtude de inadimplemento (art. 6º).
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Até domingo que vem!