Durante muitos anos, o autoexame era ensinado como um gesto de empoderamento feminino, uma forma de conhecer o próprio corpo, de estar atenta a mudanças.
Estudos populacionais mostraram que o autoexame mensal, sistemático, não reduziu a mortalidade por câncer de mama. Pelo contrário, aumentou o número de biópsias desnecessárias, gerou ansiedade e falsas seguranças. A Organização Mundial da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer passaram a não recomenda-lo como método de rastreamento.
Em um mundo ideal, todas as mulheres teriam acesso regular à mamografia a partir dos 40 anos, com cobertura adequada pelo sistema de saúde, encaminhamento oportuno e interpretação qualificada. Mas no Brasil real, continental, desigual e repleto de barreiras socioeconômicas, o cenário é outro, quase metade das mulheres são diagnosticada tardiamente com tumores superiores a 5 cm.
Não raro, essas pacientes chegam ao sistema de saúde com doença localmente avançada, exigindo tratamentos mais agressivos e com prognóstico menos favorável.
Embora não haja evidência científica robusta de que o autoexame reduza a mortalidade em contextos com rastreamento estruturado (como Estados Unidos ou Canadá), o Brasil exige outra leitura.
Mulheres que praticam o autoconhecimento corporal são capazes de perceber nódulos com cerca de 2 cm, especialmente quando orientadas por profissionais de saúde. Isso significa um diagnóstico ao menos 3 cm antes da média nacional atual.
Tumores diagnosticados com 2 cm possuem uma taxa de cura que pode ultrapassar 90%, enquanto tumores > 5 cm têm sobrevida reduzida e maior risco de metástase linfonodal ou à distância. A diferença entre um nódulo percebido no momento certo e um ignorado por meses é, muitas vezes, vital para o resultado do tratamento.
Portanto, é possível se dizer que, no contexto brasileiro, o autoexame das mamas, pode sim contribuir para a redução da mortalidade, justamente por facilitar a percepção mais precoce de tumores ainda tratáveis.
Não se trata de promover o autoexame como método de rastreamento formal, mas de reconhecê-lo como uma ponte realista entre a falta de acesso e a detecção precoce.
Entre o ideal e o possível, cabe à medicina caminhar com o pé na ciência e o coração na realidade. Em um país onde a desigualdade adia diagnósticos, o gesto simples de uma mulher tocar suas mamas pode ser o primeiro passo rumo à cura. Lembrado sempre que a mamografia é o exame ideal para rastreamento.
O Autoexame das Mamas no Contexto Brasileiro: Entre a Realidade e o Possível
